* Por Miriam Leitão

Talvez você chegasse de repente e, então, eu lhe mostraria o jardim. Tenho essas fantasias. Ainda agora entrei num quarto vazio da minha casa e pensei que poderia hospedá-la nele. E você ficaria confortável, vivendo o merecido descanso que nunca se permitiu. Eu me pego pensando em você nos mais diversos momentos. Quando vejo a horta que cresce meio hesitante sou quase capaz de ouvir os conselhos que desprezei, sobre sol e sombra em medida certa para o crescimento das plantas, a água no volume exato. Eu lhe mostraria as árvores plantadas na pequena terra que possuo. Hoje estão grandes, as árvores. Conversaríamos debaixo da sombra de alguma delas e você diria, entre sorrisos, que o fruto não cai longe do tronco. Verdade. Ninguém nega a própria natureza. Por isso eu planto, como você plantava, porque gostamos de ver a terra devolvendo a nós os carinhos dados.

É saudade o que sinto, mas é um pouco diferente. É uma sensação de que ainda posso dialogar e mostrar certas novidades que faria você dar boas gargalhadas. "Eu não disse?", você diria, brincando com o fato de que tinha essa estranha habilidade de saber tudo com antecedência; como se lesse a evolução dos eventos da vida. Nunca entendi essa sua leitura do futuro.

Nas vitórias e nas dúvidas eu penso em você. Não me aflige essa lembrança insistente, nem me entristece. É natural. Me pergunto o que você diria diante de determinado fato e, às vezes, quase ouço a resposta. A memória busca outras falas guardadas e assim vai preenchendo esse diálogo impossível. Outro dia eu tirava fotos com o celular, no meio de outras pessoas que faziam o mesmo, e foi inevitável lembrar. Você nem chegou a conhecer o aparelho, mas adoraria porque poderia registrar tudo. "Que pena que ninguém tem aqui uma máquina para tirar um retrato", você repetia em cada encontro de família, em cada festa, ou novidade. Seu sonho era fotografar tudo, para guardar os momentos. Era uma demanda por esse tempo em que tudo é fotografado. Só agora é possível. Você estava à frente do seu tempo. Uma vez mais.

É simples. Eu gostaria de contar a você tudo o que se passou nos últimos anos, quase três décadas, desde a última vez que pudemos conversar. Nesse longo silêncio, acumularam-se histórias que você adoraria saber. Posso ver seu sorriso e seus olhos azuis brilhando. Há muitas pessoas que eu apresentaria a você. Começaria pelos filhos dos meus filhos. A mais velha tem o seu nome. Não é a única. Há várias Marianas nas famílias dos meus irmãos, porque sua lembrança é forte e não apenas para mim. Essa carta que escrevo não chegará, não há correio que a alcance, contudo continuarei lembrando de você, nos pequenos eventos e nas grandes reviravoltas, nos dias chuvosos, nos ensolarados e, principalmente, no instante inicial dos dias. Lembro de acordar bem cedo, na infância, só para ver, ao seu lado, o começo dos dias. Hora de reflexão e alegria. Hoje ainda gosto de acordar bem cedo e ver, em silêncio, esse momento inaugural. Fico reflexiva, como ficávamos.

Eu me aproximo da idade que você tinha quando a perdi e, hoje, mais do que antes, sei que é cedo demais. Talvez você me perguntasse, por que tudo isso agora, o que deu em mim, afinal. Bom, não é nada, nao se preocupe. Apenas me deu vontade de dizer: feliz dia das mães, minha mãe.