Eu deveria começar pelo Prefácio, mas acho que esta explicação é importante para se entender o que levou Michio Kaku a se interessar pela Física Teórica.
Mundos além do espaço e tempo
Quero saber como Deus criou este mundo. Não estou
interessado nesse ou naquele fenômeno. Quero saber Seus pensamentos, o resto
são detalhes.
Albert
Einstein
A FORMAÇÃO DE UM FÍSICO
Dois
episódios da minha infância enriqueceram enormemente minha compreensão do mundo
e me puseram no caminho que faria de mim um físico teórico.
Lembro que meus pais me levavam às vezes para visitar o
famoso Jardim do Chá japonês em San Francisco. Uma das minhas lembranças mais
felizes da infância é a de ficar agachado junto ao laguinho, mesmerizado pelas
carpas de colorido brilhante que nadavam lentamente por sob os nenúfares.
Naqueles
momentos tranquilos, sentia-me livre para deixar minha imaginação vagar; podia
fazer a mim mesmo perguntas bobas que só poderiam ocorrer a uma criança, como,
de que modo as carpas naquele laguinho viam o mundo à sua volta? E eu pensava,
que mundo estranho deve ser o delas!
Vivendo
suas vidas inteiras naquele tanque raso, as carpas deviam acreditar que seu
"universo" consistia em água turva e nenúfares. Passando a maior
parte de seu tempo à procura de alimento no fundo do tanque, elas mal deviam
ter noção de que poderia existir um mundo estranho acima da superfície. A
natureza do meu mundo estava acima da sua compreensão. Eu ficava intrigado por
poder me postar a apenas poucos centímetros das carpas, e estar, contudo,
separado delas por um imenso abismo. As carpas e eu vivíamos nossas vidas em
dois universos distintos, sem nunca penetrarmos o mundo um do outro um do
outro, e, no entanto, separados apenas pela mais fina das barreiras, a
superfície da água.
Certa
vez imaginei que podia haver carpas "cientistas" vivendo entre os
peixes. Provavelmente, pensei, elas zombariam de qualquer peixe que sugerisse a
possível existência de um mundo paralelo logo acima dos nenúfares. Para uma
carpa "cientista", as únicas coisas reais eram as que o peixe podia
ver ou tocar. O tanque era tudo. Um mundo invisível além do tanque não fazia
nenhum sentido científico.
Uma
vez uma tempestade me pegou. Notei que a superfície do tanque foi bombardeada
por milhares de minúsculas gotas de chuva. Ela se tornou turbulenta, e ondas
passaram a empurrar os nenúfares em todas as direções. Abrigando-me contra o
vento e a chuva, pensei como tudo aquilo seria visto pelas carpas. Para elas,
os nenúfares pareceriam estar se movendo de um lado para outro por si mesmos,
sem que nada os empurrasse. Como a água dentro da qual viviam deveria parecer
invisível, tal como o ar e o espaço à nossa volta, elas deveriam ficar por
entender como os nenúfares podiam se mover de um lado para outro por si mesmos.
Seus
"cientistas", eu imaginava, iriam urdir um engenhoso invento chamado
"força" para ocultar sua ignorância. Incapazes de compreender que
podia haver ondas na superfície invisível, iriam concluir que os nenúfares eram
capazes de se mover sem ser tocados porque uma entidade invisível e misteriosa
chamada força agia entre eles. Poderiam dar a essa ilusão nomes
impressionantes, pomposos (tal como ação à distância, ou a capacidade que têm
os nenúfares de se mover sem que nada os tocasse).
Uma
vez imaginei o que aconteceria se eu esticasse o braço e tirasse uma das carpas
"cientistas" de dentro do tanque. Antes que eu a jogasse de novo na
água, ela poderia se debater furiosamente enquanto eu a examinasse. Pensei como
isso apareceria aos olhos do resto das carpas. Para elas, seria um evento
verdadeiramente desnorteante. Iriam notar em primeiro lugar que um de
seus "cientistas" desaparecera de seu universo. Simplesmente
desaparecera, sem deixar um vestígio. Onde quer que buscassem não haveria um
sinal da carpa desaparecida
em seu universo. Depois, segundos mais tarde, quando eu a
jogasse de volta no tanque, o "cientista" iria ressurgir abruptamente
do nada. Para as outras carpas, pareceria que um milagre acontecera.
Depois de se recobrar do pânico, o
"cientista" iria contar uma história verdadeiramente assombrosa.
"Sem mais aquela", ele diria, "fui erguido de alguma maneira
para fora do universo (o tanque) e lançado num outro mundo misterioso, com luzes
cegantes e objetos estranhamente bem delineados que eu nunca vira antes. O mais
estranho de tudo era a criatura que me aprisionou e que não tinha a menor
semelhança com um peixe. Fiquei chocado ao ver que ela não tinha nem sombra de
barbatanas, mas, apesar disso, era capaz de se mover. Ocorreu-me então que as
leis da natureza com as quais estava familiarizado não se aplicavam nesse
mundo. Depois, de maneira igualmente repentina, vi-me lançado de volta no nosso
universo." (Evidentemente, esta história de uma viagem além do universo
pareceria tão fantástica que a maioria das carpas a rejeitaria como pura
lorota.)
Frequentemente penso que somos como as carpas que nadam
satisfeitas naquele tanque. Vivemos nossas vidas inteiras em nosso próprio
"tanque", certos de que nosso universo consiste apenas naquelas
coisas
que podemos ver ou tocar. Como o das carpas, nosso universo
consiste unicamente no conhecido e no visível. Presunçosamente, recusamo-nos a
admitir que, ao lado do nosso universo, possam existir universos ou dimensões
paralelas, simplesmente fora de nosso alcance. Se nossos cientistas inventam
conceitos como os de forças, é apenas porque não são capazes de visualizar as
vibrações invisíveis que enchem o espaço vazio à nossa volta. Alguns cientistas
sorriem zombeteiramente à menção de um maior número de dimensões porque elas
não podem ser convenientemente medidas em laboratório.
Desde essa época, sempre fui fascinado pela possibilidade de
outras dimensões. Como a maioria das crianças, devorei histórias de aventura
cujos heróis viajavam no tempo, penetravam em outras dimensões e exploravam
universos paralelos invisíveis, onde as leis comuns da física estavam
convenientemente suspensas. Cresci cismando se os navios que se perdiam no
Triângulo das Bermudas sumiam num buraco no espaço; fiquei maravilhado com a
trilogia Fundação de Isaac Asimov, em que a descoberta da viagem hiperespacial
dava lugar ao surgimento de um Império Galáctico.
Um segundo episódio
de minha infância deixou também em mim uma profunda e duradoura impressão.
Quando eu tinha oito anos, ouvi uma história que me acompanharia pelo resto de
minha vida. Lembro de meus professores falando para a turma sobre um grande
cientista que acabara de morrer. Falaram sobre ele com grande reverência,
qualificando-o de um dos maiores cientistas de toda a história. Disseram que
muito poucas pessoas eram capazes de compreender suas ideias, mas que suas
descobertas tinham transformado todo o mundo e tudo que havia à nossa volta.
Não entendi muita coisa do que estavam tentando nos dizer, mas o que mais me intrigou
acerca daquele homem foi o fato de que morrera antes de poder completar sua
descoberta mais impressionante. Disseram que ele havia dedicado anos a essa
teoria, mas morreu com seus textos inacabados ainda pousados sobre sua
escrivaninha.
Fiquei fascinado pela história.
Para uma criança, aquilo era um imenso mistério. Que trabalho inacabado era
aquele? Que havia naqueles papéis sobre a sua mesa? Que problema podia ser tio
e tão importante para que tão notável cientista dedicasse anos de sua vida a
investigá-lo? Curioso, decidi aprender tudo que pudesse sobre Albert Einstein e
sua teoria inacabada. Ainda tenho vívidas lembranças de passar muitas horas
sossegadas lendo todo livro que conseguia encontrar sobre aquele grande homem e
suas teorias. Quando esgotei os livros de nossa biblioteca local, comecei a
vasculhar bibliotecas e livrarias pela cidade toda, buscando avidamente novas
pistas. Logo aprendi que aqueIa história era muito mais empolgante que qualquer
história de detetive e mais importante que qualquer coisa que eu jamais pudesse
imaginar. Decidi que tentaria chegar à raiz daquele mistério, ainda que, para
isso, tivesse de me tornar um físico teórico.
Logo me inteirei de que os textos inacabados sobre a escrivaninha de
Einstein eram uma tentativa de construir o que ele chamava de teoria unificada
de campo, uma teoria que poderia explicar todas as leis da natureza, do mais
minúsculo átomo à maior das galáxias. No entanto, sendo uma criança, não
compreendi que talvez houvesse um vínculo entre a carpa que nadava no Jardim do
Chá e os textos inacabados sobre a escrivaninha de Einstein. Não compreendi que
as dimensões múltiplas poderiam ser a chave para a solução da teoria unificada
de campo.
Mais tarde, no colegial, esgotei
a maior parte das bibliotecas locais e visitei muitas vezes a biblioteca de
física da Universidade de Stanford. Ali, vim a me dar conta de que o trabalho
de Einstein tornava possível uma nova substância chamada anti-matéria, a qual
agiria como a matéria comum, mas, ao contato com a matéria, se destruiria numa
explosão de energia. Li também que cientistas haviam construído grandes
máquinas, ou aceleradores de partículas, que eram capazes de produzir
quantidades microscópicas dessa exótica substância em laboratório.
Uma vantagem da juventude é que ela não se deixa dissuadir
por empecilhos mundanos que normalmente pareceriam insuperáveis para a maioria
dos adultos. Sem avaliar os obstáculos envolvidos, pus-me a construir meu
próprio acelerador de partículas. Estudei a literatura científica até me
convencer de que podia construir o então chamado Betatron, que seria capaz de
elevar a energia de elétrons a milhões de elétrons-volt. (Um milhão de
elétrons-volt é a energia que atinge elétrons acelerados por um campo de um
milhão de volts.) Antes de mais nada, comprei uma pequena quantidade de sódio
22, substância que é radioativa e naturalmente emite pósitrons (a antimatéria
correspondente ao elétron). Depois construí uma câmara de Wilson, que torna
visíveis as pistas deixadas por partículas subatômicas. Consegui fazer centenas
de lindas fotografias de traços deixados por antimatéria. Em seguida, fiz uma
busca pelos grandes depósitos de material eletrônico da área, reuni a
aparelhagem necessária, inclusive centenas de quilos de restos de aço de
transformadores, e construí na minha garagem um betatron de 2,3 milhões de
elétrons-volt que seria potente o bastante para produzir um feixe de
anti-elétrons. Para construir os monstruosos ímãs necessários para o Betatron,
convenci meus pais a me ajudar a enrolar 35 quilômetros de fio de cobre no
campo de futebol da escola. Passamos o feriado de Natal na linha de 45 metros,
enrolando e juntando os pesados rolos que iriam curvar as trajetórias dos
elétrons de alta energia.
Quando finalmente construído, o betatron de 136 quilos e
seis quilowatts consumia absolutamente toda a energia que a minha casa gerava.
Quando eu o ligava, geralmente queimava todos os fusíveis, e a casa ficava às
escuras de repente. Com a casa mergulhada periodicamente na escuridão, minha
mãe muitas vezes sacudia a cabeça. (Imagino que ela provavelmente pensava por
que não podia ter um filho que jogasse beisebol ou basquete, em vez de
construir aquelas imensas máquinas elétricas na garagem.) Fiquei encantado ao
ver que a máquina produziu com sucesso um campo magnético 20 mil vezes mais
intenso que o da Terra, que é o necessário para acelerar um feixe de elétrons.
O CONFRONTO COM A QUINTA DIMENSÃO
Como minha família era pobre,
meus pais estavam preocupados com a possibilidade de eu não poder continuar
meus experimentos e minha educação formal. Felizmente, os prêmios que ganhei
por meus vários projetos científicos chamaram a atenção do cientista atômico
Edward Teller. Sua esposa providenciou para que eu recebesse uma bolsa para
quatro anos de estudos em Harvard, permitindo-me realizar meu sonho.
Ironicamente, embora eu tenha iniciado meu aprendizado
formal de física teórica em Harvard, foi também ali que meu interesse por
dimensões mais elevadas foi gradualmente morrendo. Como outros físicos, iniciei
um rigoroso e exaustivo programa de estudos da matemática...