sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Gente humilde sem vontade de chorar

Sonho vivendo; vivo novo sonho.
De novo. 
Por quanto tempo não sei.

E por aí vai o cardápio do Jhony’s Bar e Restaurante (sic), aqui ao lado do Edifício Anchieta, onde moro, com porções que dão para duas pessoas famintas e tudo já com um monte de salada ou o que se desejar. Se lá almoço já saio com a janta; se ao contrário, o contrário idem.


Uma negra e uma mulata, entre seus trinta e poucos e quarenta, duas mesas adiante, já pediram a terceira Brahma.
Conversam, fofocam, riem às pampas.
Entra um casalzinho jovem de branquelos azedos, chega à sua mesa: abraços, beijos, alegria em se reverem, a despeito da diferença de idades.  “Tcháu! Deus os acompanhe… A vocês também!”.

– “Oi, professor! Que vai querer hoje?”
– “Professor, você já sabe!…”
– “Letras ocultas e ciências apagadas, né?”… risos.
– “Hoje sou Mestre. Mestre Sala da Unidos da Muleta e da Bengala”.
– “Tá bom, bengala é com o Senhor… E então?”
– “O que está mais fresco, carne, porco, frango ou peixe?”
– “Tudo aqui está sempre fresquinho!”
– “Vá lá então: um filé de frango bem passado com um pouquinho de arroz e batatas cozidas. Sem pimenta, né?”
– “E…?”
– “Sim, uma Brahminha pequena gelada e um cinzeiro ao natural”
– “É pra já!”

Olho a televisão: A Fátima e o Bonner movimentam os lábios; não dá para escutar nada. Prefiro a realidade ao redor.

Dois motoristas pedem cafés (cafés melados, já coados com açúcar! É isto aí: pobre toma esta coisa por 55 centavos…). Um me cumprimenta.

Chegam a cerveja e o cinzeiro; fumo um cigarro e “me garro a cismá”.

Dois jovens também entre os trinta e muitos e quarenta sentam-se à mesa perto da porta, de esguelha para a minha. Não vi o que pediram, mas já têm uma Brahma e um cinzeiro e fumam. Falam baixo: aqui ninguém fala alto, ninguém alardeia o último carro, cavalo, ou iate comprado (mas quase todos têm seus carrinhos). Gente educada. Gente que é.

Chega meu rango; enquanto como entra um casal, ela de seus trinta e muitos, ele de seus quarenta e muitos mais, talvez cinqüentas. Sentam-se à mesa em minha frente.

Mesmo que falem baixo entendo que ele é argentino, ela patrícia. Conversam; ele passa continuamente o braço por seus ombros; ele fala, bem baixinho, coisas em seu ouvido; beija-a na testa, no rosto, no pescoço. Às vezes conversam normalmente.

Termino meu jantar e acendo um cigarro.

O senhor argentino vira-se com um cigarro nas mãos. Pensei que fosse me pedir o isqueiro. Diz: “Agora que o senhor terminou seu jantar, vou fumar”.
Fico besta!

Disse: “Senhor, eu sou fumante, o senhor poderia ter fumado todo o tempo!”
– “Não, só agora que o senhor terminou.”

Os dois fumam e eu continuo a imaginar se cena como esta poderia ter ocorrido em qualquer dos restaurantes “chiques” que já conheci e frequentei.  
Aqui, Garçons Gente. Gente simples e real. Iguais; sem frescuras. 
Não nos olham de alto abaixo como em tantos lugares “In”, onde se paga os tubos, e em que pretendem que sejamos menos (ou pensem que somos mais) que eles…

Vida, cheio de vida. 

De dia e de noite.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Às vezes um acontecimento quotidiano e...


Gigantesca enxurrada de pensamentos![1]

De minha sacada observo, todas as manhãs, ou quase todas, por volta das 9 e pouco, cinco pescadores, ali à minha frente, começarem a faina de preparar dois barcos para o trabalho.
Um companheiro leva dois outros, na canoa vermelha (à esquerda, entre coqueiros) até um dos barcos; rema à proa, com um só remo: vai em ziguezague. Deixa os dois no barco menor, mais à frente, volta para pegar mais dois; embarcam todos os três no de trás, teto azul, um pouco maior.


Enquanto arrumam coisas, tiram o pouco de água que restou da chuva da noite, lá vem a lancha do Iate clube de Ilhabela, o condutor a acosta ao barco maior, entrega um monte de gelo em sacos, logo colocados em caixas, e a lancha parte.  

Vão lançar suas redes entre as duas embarcações, recolher zilhões de peixes, lulas, camarões que, agonizando, serão lançados às caixas, entre camadas de gelo.... Têm melhor sorte que os que, fisgados por anzóis impiedosos, lutam desesperadamente por se soltar, salvar suas vidinhas e morrerão também agonizando sobre o concreto do “Cais dos Pescadores”.

Daí, deste pequeno e rotineiro passo, minha alma, condoída pelo destino destes companheiros de viagem, volta a se lembrar da frase de Steven Weinberg: “The more the universe seems comprehensible, the more it also seems pointless”[2].  
E arrancamos um pé de alface e este chora, agoniza, é também como arrancar a fruta da árvore, colher a flor, roubar o ovo da galinha...

Há algum tempo, creio que em 2011, escrevi “Neo onívoro – Ou Ex vegetariano”, um dos capítulos de meu livro “E não houve tempestade em Tóquio” em e-book pela Amazon Brasil.

Afinal, pra que tanta maldade e judiação? É este o objetivo do universo?

Matar para não morrer pode ser necessário, eticamente correto, ao menos aceitável em casos duvidosos; matar mais que o necessário, matar sem necessidade, sem sentido, matar por prazer, é incompreensível. No entanto... assim me parece agir o universo.

Fui rever o que existe sobre a história da Terra; há um vídeo do National Geographic que já havia visto: é bom, mas falha e atropela na passagem dos herdeiros dos dinossauros até os primeiros que foram classificados como Homo sapiens que, de algum tempo, pretensiosamente, nos intitulamos “Homo Sapiens Sapiens”!  E, neste final, o vídeo se resume ao que aconteceu e aos fósseis encontrados na América do Norte, deixando de lado acontecimentos importantes no resto do mundo; em todo caso vale ver pela produção primorosa, pelos efeitos sonoros e pictóricos, por algumas imagens de antepassados que não são facilmente encontradas em outro site; se quiser, pode assistir neste link.  

Pesquisei muitas outras fontes, escolhi as que julgo mais bem embasadas, com teorias provadas ou mais aceitas, mais plausíveis.  
Resolvi produzir um texto que espero que possa ser criticado, comentado, corrigido e complementado por meus tantos amigos cientistas.
Podem ver o que escrevi aqui.

E uma história bem interessante, cheia de horrores, violência, carnificinas de animais e espécies, que afinal tiveram um propósito, darwiniano e materialista que seja: a evolução dos sobreviventes.

Desde as primeiras colônias de bactérias, é um sem fim de aniquilar ou matar; não é um “Eros e Thanatos”, é “Rem e Thanatos”. Por interesse primeiro em sobreviver, em seguida em crescer, dominar, espécies e grupos vêm matando aos seus e a outros ao longo de toda a caminhada deste planetinha.

A Bíblia conta uma fábula bonitinha, mais curta, da criação do universo, animais e homens (de mulheres como apêndice); tão inverossímil que há grupos de fanáticos que dizem acreditar que a única verdade está na Bíblia (quem sabe até acreditem, vá lá saber como funciona o cérebro de um extremista!).
Em seguida a fábula vira longa estória de ambições, traições, assassinatos, guerras contra o que uns entendem outros como inimigos, matanças por orgulho ou vaidade, conquista de povos e espaços.
Escrita recentemente (alguns chegam a datá-la no máximo a poucos quatro ou cinco mil anos), reflete melhor a verdade sobre a humanidade como hoje a entendemos: “Rem et Thanatos”.

Eros? Bem, parece que o amor pelos filhos já existia nos primeiros mamíferos; amor por outro da mesma família ou clã, intuímos (não conheço provas) talvez desde o Homo Habilis. 

Hoje, por interesse, há amor nas religiões orientais, no espiritismo, no judaísmo, nas religiões cristãs, por seu Karma ou nele crescer, para ganhar os Céus, para a ele ascender na carruagem de Elias[3], para não se reencarnar numa minhoca, lagarto ou cachorro, e jamais como um de nossos abomináveis próceres...

O tal de Nova Fábula diz que Jesus pregou e praticou... ia escrever que este genérico e purinho da silva tivesse morrido com ele, mas me lembrei que “Amai-vos uns aos outros como eu os amei” já fazia parte do interesse de sentar-se ao lado do Pai, de conquistar um lugarzinho no Céu, para compensar e esquecer a dureza da vida nos lugares daqui debaixo.

Amor de humanos pelo meio ambiente, pelos rios e cascatas, matas, mar, e seus bichos... amor construtivo, mas totalmente interesseiro, não é?

Amores a uma causa? Muito poucos que não tenham origem no interesse próprio, direta ou indiretamente seu, através do interesse de um grupo, por ambição de ganhar poder, galgar altos postos; ou até para sentir-se bem. Mas os há, creio.

Espera aí! Não sou totalmente cético: sim existe amor desinteressado, intenso, entre nós humanos, com que eu, e você certamente, fomos abençoados, por receber e dar, sem limites, até a doação da vida quando necessário. É vivência como que de êxtase em tantos momentos e episódios de amor.

Existe, talvez, o amor por si mesmo, o mais difícil de se entender e atingir.

E existe a bondade, inata, espontânea, sem razão de ser senão ela mesma, cujos exemplos vemos por toda parte, raramente noticiados pela mídia, pois não é de seu interesse. Cada gesto, cada ação destas não cria êxtases, pouco ou nada são notados pelos que a têm: é natural, de sua natureza.

Enfim cá estamos nós fazendo parte desta história, com curiosidades insatisfeitas, perplexidades frente a acontecimentos e tragédias inaceitáveis e sem explicações. 

Sabemos quase tudo em seus detalhes, retalhos que não os sabemos cerzir.

Resta a felicidade de viver, simplesmente, curtir este planetinha maravilhoso, olhar o todo, deixar fluir o Eros de que, assim, Thanatos será apenas consequência e ato de compreensão e bondade.  



[1]Poderia até parafrasear o que escreveram para Neil Armstrong decorar e dizer ao pisar na Lua: “Um pequeno passo para um homem, enorme salto para sua alma”, vide https://pt.wikiquote.org/wiki/Neil_Armstrong

[2] Quanto mais o universo nos parece compreensível, mais também nos parece sem sentido.
https://en.wikiquote.org/wiki/Steven_Weinberg
[3] http://www.morasha.com.br/profetas-e-sabios/o-profeta-eliahu.html

Clique no assunto para acessar as respectivas postagens:

acordar (1) ajuda a adiantados. (1) ajuda a iniciantes (1) alcançar (1) álcool (1) alegria (2) além (1) alma (1) amar (1) amizade (1) amor (2) Anabela Gradim (1) angústia (1) Ano Novo (1) António Fidalgo (1) Antrópico (1) aposentadoria (1) aprendizado (1) Apresentação (1) argonautas (1) asteróide (1) ateísmo (1) ateísmo militante (1) autossuficiência (2) Azagaia (1) Bacamarte (1) barbárie (1) batida (1) bebado (1) bebedeira (1) Beleza (1) Big Bang (1) bombardeio (1) boto (1) Brahms (1) Brasil (1) brinde (1) Bunker Roy (1) buraco (1) busca (1) cabeça (1) cabecinha (1) cadeira (1) Caminho (1) câncer (1) Carl Sagan (1) carro elétrico (1) caseiro (1) cérebro (1) Chico Buarque (1) China (1) ciência (2) Ciências (9) cinema (1) Claudio Villas Boas (1) cocô (1) comportamento (1) comprovado (1) comunismo (1) concussão (1) consumo de energia (1) conteúdo (1) continente (1) Conto (2) Contos (1) Corpo (1) cortisol. (1) Covid (1) crânio (1) criança (2) crianças (2) crônica (3) cuidados (2) curiosidades (1) dedicação (1) Delfos (1) Depressão (1) desastre (3) Desbravar (1) Descartes (1) Descobrimentos (1) descontrair (1) desenho (1) desidratação (1) desidratação. (1) Desígnios (1) destino (1) detritos (1) deuses (1) devoção (1) Dia Novo (1) diagnóstico (1) dicas (1) dislexia (1) Ditadura (2) DNA (2) doença (1) doença de criança (1) dor de barrida (1) E não houve tempestade em Tóquio (1) Einstein (1) eletricidade (1) eletrólitos (1) eletromagnetismo (1) Embornal (1) energia (1) entanglement (1) entranhas (1) entropia (1) epistemologia (1) Equador (1) erotismo (1) escovar dentes (1) Esperança (3) Estados Unidos (1) estrutura (1) estudo (1) estudos (1) etnia (1) exercício (1) exercício físico (1) fábula (2) falta de ar (1) Fellini (1) Fernando Pessoa (1) ferroviário (1) Feto (1) filhos (1) Filosofia (5) fim dos tempos. (1) Final (1) Finalidade (1) fingindo (1) fios (1) Física (8) Física Quântica (2) folclore (1) Fritjof Kapra (1) fumo (1) fúria (1) futuro (1) Ganhos (1) gastroenterite (1) genitais (1) genitália (1) gênito urinário (1) geologia (1) Glória (1) gratidão (2) Guarujá (2) guerra (1) Haikai (1) Harlan Coben (1) Hedy Lamarr (1) Heisenberg (1) heterodoxia (2) hidratação (1) hidrogênio (1) hiperespaço (2) História (4) história da física (1) holismo (1) holocausto (1) hpv (1) Humor (1) identidade (1) iluminação (1) imortal (1) imune (1) imunizado (1) Índia (1) infecção (1) infortúnio (1) Insônia (1) inútil (1) Invenção (1) investigação (1) irmão (1) Isaac Newton (1) isolamento (1) ISRS (1) Jasão (1) João Villaret (1) Judaismo (1) Kindle (1) Kobo (1) laranja (1) Leituras e Anotações (9) lembranças (1) lembranças tratamento (1) lenda (1) Letícia Martins (1) links sérios (1) literatura (12) literatura.poesia (1) Livraria Cultura (1) livro (2) lógica (1) Louvor (1) luz (1) maçã (1) mãe (1) Maeve Blinchy (1) mar (1) Mastroianni (1) matemática (2) medicina (2) memória (1) memórias (1) menino (1) mensagem (1) mental (1) mentiras (1) meta (1) Metrô de São Paulo (1) Michio Kaku (4) Miguel Sousa Tavares (1) minhoca (1) Mônica Martins (1) Monolito (1) motor (1) Movimento Pés Descalços (1) mulher (1) murmúrio (1) músculos (1) Música (2) nada (1) Navegação (1) nebulização (1) neurônios (1) Newton (1) Newton da Costa (1) Nick Bolstrom (1) Nick Bostrom (1) Nova York (1) o nada (1) objetivo (4) Odisseia (1) Olimpo (1) Omega 3 (1) ômega 3.6.9 (1) onde estou (1) origem da vida (2) Orlando Villas Boas (1) ortodoxia (1) ouvir estrelas (1) pacientes (1) Paixão (1) paleontologia (1) paliativo (1) panorama (1) papiloma (1) Paris (1) Partículas (1) passado (1) passeio (1) passo (1) Paz (1) pediatria (1) pele (2) Penélope (1) pênis (1) Perdas (1) Perdas e ganhos (2) perseguir (1) petróleo (1) Pitangueiras (2) Pitkanen (2) planeta (1) poema (2) poesia (17) Poesia e poemas (2) Popper (1) posso (1) povos indígenas (1) Pra Quê? (1) praia (1) Principia Mathematica. (1) prisoneiro (1) Provocações e Desafios (5) Purgatório (1) quem é (1) rápido (1) realidade (2) realizar (1) Recife (1) recomendações (1) Rede (1) Reminiscëncias (4) respeito (1) Richard Dawkins (1) Robert Paster (2) Roger Penrose (1) romance (1) Russia (1) sabedoria (1) sabido (1) sadio (1) saída (1) saudade (1) Saudades (1) saúde (6) saúde criança (1) Segunda Guerra Mundial (1) Segurança Aérea (1) semiótica (1) sentido (1) serotonina (1) sexos. (1) sísifo (1) social-democracia (1) sofrimento (1) sol (1) solução (1) sonhador (1) Sonho (4) Stephen Hawking (3) suco de laranja (1) sucos (1) sufoco (1) Sundries (25) superação (1) sussurro (1) susto (1) Tabacaria (1) tabaco (1) taça (1) tecnologia (1) Telêmaco (1) Teoria Antrópica (1) teorias (1) teorias da conspiração (1) terminal (2) TGD (1) The God Delusion (1) Thomas Kuhn (1) trabalhador (1) Trabalhar em casa (1) Trabalho (1) Trabuco (1) tradição (1) trapaças (1) tratamento (5) Trilha (1) Ugo Volli (1) Umberto Eco (1) universal (1) Universidade Barefoot (1) universos (1) urgência (1) UTI (1) útil (1) utopia (1) vacina (1) vagina (1) vaidade (1) vazante (1) Velocino de Ouro (1) Veneno (1) verdades (1) verificado (1) vida (3) vídeo (1) videos (1) vitória (1) Você sabia? (2) vulcões (1) Was the universe made for us? (1) Whisky (1) Zarabatana (1) Zumbi (1)