segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Insônia.

Sundries


São duas e vinte da madrugada; voltei para meu terracinho.

Nada de chuva, nada de Lua, tempinho chato e encoberto; ondas quebrando em Pitangueiras e Astúrias; sua vista, seu som, me embalam a vigília.

Não consigo dormir.

Não consigo dormir de há algum tempo, assombrado por problemas aparentemente insolúveis, a não ser depois do terceiro, às vezes quinto Natu Nobilis, sonífero que não dá bobeira, não leva a dormir demais (seis horas são suficientes), não dá ressaca, não embota o raciocínio.

Continuei a ler mais um romance de Raymond Chandler, não só um mestre de romances policiais, mas um mestre da literatura.

Quem for abstêmio e nunca tiver dado uma tragada deliciosa num cigarro jamais poderá apreciar verdadeiramente as aventuras e peripécias de Phillip Marlowe e dos personagens das tramas.
Puxa vida! Já são quase 4 e meia! Tenho que tentar dormir.

Um pedaço de chocolate de 75 ou mais % de cacau é meu condão para definitivamente entrar direto no sonho; não durmo direto no tal de escuro, oblívio: direto num sonho.

Se o sonho é em tons de cinza – não sei se 50, mais, ou menos –, é porque tudo está relativamente calmo, sem grandes preocupações.

Mas em geral são sonhos lindos, gostosos, com miríades de cores e luzes. Tenho leve daltonismo para algumas tonalidades, mas nos sonhos enxergo – penso eu – até coisas esdrúxulas como magenta, ciano, pearl green...

Apaguei rápido como sempre; nada do que acabara de ler ou dos eventos do dia inspiraram ou assombraram meus distintos, mas conexos sonhos em suas oníricas desconexões.

Acordei.

Como sempre que posso, não me levanto rapidamente: me viro de lado, ou para outro lado, e volto a rever meus sonhos, a curti-los e tentar gravá-los. Tenho incríveis roteiros malucos para muitos curtas e longas tão malucos quanto.

De barriga pra cima me espreguiço, primeiro pernas, barrigão, tronco e espinha, pescoço, braços então.

Pronto para mais um episódio em meu romance sempre – e espero que por muito tempo – inusitado e sempre inacabado.

Bom dia minha gente!

FMFG

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Hiperespaço - Teoria e aventura em termos leigos.



Aqui colo o Prefácio do livro Hiperespaço (Hyperspace) que você pode comprar em papel ou em eBook na Amazon, Livraria Cultura, Livraria Saraiva, e outras e, a preço bem baixo, na Estante Virtual (http://www.estantevirtual.com.br/busca?q=Hiperespa%E7o+Michio+Kaku).

Tenho certeza que você, depois de lê-lo, vai querer ler o livro inteirinho, sem parar! 




Prefácio 

As revoluções científicas, quase que por definição, contestam o senso comum.

Se todas as nossas noções de senso comum sobre o universo fossem corretas, a ciência teria decifrado os segredos do universo há milhares de anos. O propósito da ciência é remover a camada da aparência dos objetos para revelar sua natureza subjacente. De fato, se aparência e essência fossem a mesma coisa, não haveria necessidade de ciência.

Talvez a noção de senso comum mais profundamente arraigada acerca de nosso mundo seja a de que ele é tridimensional. Nem é preciso dizer que comprimento, largura e profundidade são suficientes para se descrever todos os objetos de nosso universo visível. 

Experimentos realizados com bebês e animais mostraram que nascemos com um senso inato de que nosso mundo é tridimensional. Se incluirmos o tempo como uma outra dimensão, quatro dimensões são suficientes para o registro de todos os eventos no universo. Não importa onde nossos instrumentos tenham penetrado, desde as profundezas do átomo até os mais remotos confins do aglomerado galáctico, só encontramos evidência dessas quatro dimensões. 

Afirmar publicamente outra coisa, sugerir que pode haver outras dimensões ou que nosso universo pode coexistir com outras, é provocar certa zombaria. 

No entanto, essa ideia preconcebida e profundamente arraigada sobre nosso mundo, surgida pela primeira vez das especulações dos antigos filósofos gregos dois milênios atrás, está prestes a sucumbir ao progresso da ciência.

Este livro trata de uma revolução científica criada pela teoria do hiperespaço que afirma a existência de dimensões além das quatro de espaço e tempo comumente aceitas. 

Há um crescente reconhecimento entre físicos do mundo inteiro, entre os quais vários contemplados com o prêmio Nobel, de que o universo pode realmente existir num espaço de maior número de dimensões. Se sua correção for provada, essa teoria irá criar uma profunda revolução conceitual e filosófica em nossa compreensão do universo. 

Nos meios científicos, a teoria do hiperespaço é conhecida como teoria Kaluza-Klein e supergravidade. 

Sua formulação mais avançada, porém, é chamada de teoria das supercordas, a qual chega a prever o número preciso de dimensões: dez. As três dimensões habituais do espaço (comprimento, largura e profundidade) e uma de tempo são agora acrescidas de seis outras dimensões espaciais.

Advertimos que a teoria do hiperespaço ainda não foi experimentalmente confirmada e que, de fato, seria extraordinariamente difícil prová-la em laboratório. 

No entanto, a teoria já empolgou os mais importantes laboratórios de física do mundo e alterou irreversivelmente a paisagem científica da física contemporânea, gerando um assombroso número de artigos de pesquisa na literatura científica (mais de cinco mil, segundo um cálculo). 

No entanto, quase nada foi escrito para explicar ao público leigo as fascinantes propriedades do espaço com maior número de dimensões. Em consequência, o grande público tem apenas uma vaga ideia, se é que tem alguma, dessa revolução. 

De fato, as referências superficiais a outras dimensões e universos paralelos feitas na cultura popular são frequentemente enganosas. 

Isso é lamentável porque a importância da teoria reside em seu poder de unificar todos os fenômenos físicos conhecidos numa estrutura espantosamente simples. 

Este livro torna disponível pela primeira vez, uma exposição cientificamente fundamentada, acessível, da fascinante pesquisa atual sobre o hiperespaço.

Para explicar por que a teoria do hiperespaço gerou tanto entusiasmo no mundo da física teórica, desenvolvi quatro temas fundamentais que atravessam todo este livro como um fio- Estes quatro temas dividem o livro em quatro partes.

Na Parte I, desenvolvo os primórdios da teoria do hiperespaço, enfatizando a ideia de que as leis da natureza se tornam mais simples e mais precisas quando expressas em maior número de direções. 

Para compreender como o acréscimo de mais dimensões pode simplificar problemas físicos, considere o seguinte. 
Para os egípcios antigos, o tempo era um mistério completo. O que causava as estações? Por que a temperatura era mais alta quando viajavam para o sul? Por que os ventos sopravam geralmente de uma só direção? Era impossível explicar o tempo a partir da posição dos egípcios antigos, para os quais a Terra parecia ser chata, como um plano bidimensional. 

Mas agora imagine enviar os egípcios num foguete para o espaço exterior, onde possam ver a Terra em sua simplicidade e inteireza em sua órbita em torno do Sol. De repente, as respostas para essas perguntas se tornam óbvias.

A partir do espaço cósmico, é evidente que o eixo da Terra está inclinado cerca de 23 graus da vertical (a "vertical" sendo a perpendicular ao plano da órbita da Terra em torno do Sol). 
Por causa dessa inclinação, o hemisfério norte recebe muito menos luz solar durante uma parte de sua órbita que durante outra parte. Por isso temos inverno e verão. 
E como o equador recebe mais luz solar que as regiões polares norte e sul, a temperatura se eleva à medida que nos aproximamos do equador. 
Da mesma maneira, como a Terra gira no sentido anti-horário para alguém postado no polo norte, o frio ar polar dá uma guinada ao se mover rumo ao sul em direção ao equador. O movimento das massas de ar quentes e frias, desencadeado pela rotação da Terra, ajuda assim a explicar por que os ventos sopram geralmente numa só direção, dependendo de onde você esteja na Terra.

Resumindo, as leis um tanto obscuras que regem o tempo são de fácil compreensão desde que vejamos a Terra a partir do espaço. 
A solução para os problemas consiste, portanto, em subir no espaço, rumo à terceira dimensão. 
Fatos que são impossíveis de compreender num mundo plano tornam-se subitamente óbvios quando se vê uma Terra tridimensional.

De maneira análoga, as leis da gravidade e da luz parecem totalmente dessemelhantes. Elas obedecem a pressupostos físicos e a matemáticas diferentes. 
As tentativas de reunir essas duas forças sempre fracassaram. 
No entanto, se acrescentamos uma dimensão a mais, uma quinta dimensão, às quatro dimensões anteriores de espaço e tempo, as equações que governam a luz e a gravidade parecem se encaixar como duas peças de um quebra-cabeça. 

De fato, a luz pode ser explicada como vibrações na quinta dimensão. Dessa forma, vemos que as leis da luz e da gravidade se tornam mais simples em cinco dimensões.

Consequentemente, muitos físicos estão agora convencidos de que uma teoria quadridimensional convencional é "pequena demais" para descrever adequadamente as forças que comandam nosso universo. Numa teoria quadridimensional, os físicos têm de espremer as forças da natureza de uma maneira desajeitada, artificial. Além disso, essa teoria híbrida é incorreta. 

Quando nos expressamos a partir da posição dos egípcios antigos, para os quais a Terra parecia ser chata, como um plano bidimensional, é mais do que impossível explicar o tempo

Na Parte II, elaboramos mais essa ideia simples, enfatizando que a teoria do hiperespaço pode ser capaz de unificar todas as leis da natureza conhecidas numa única teoria. 

Assim a teoria do hiperespaço pode vir a ser a realização que coroará dois milênios de investigação científica: a unificação de todas as forças físicas conhecidas. Ela pode nos dar o Santo Graal da física, a "teoria de tudo" que escapou a Einstein por tantas décadas.

Neste último meio século, os cientistas deram tratos à bola para entender por que as forças básicas que mantêm o cosmo coeso — gravidade, eletro magnetismo e as forças nucleares forte e fraca — diferem tanto. 

Tentativas feitas pelos mais extraordinários cérebros do século XX para fornecer um quadro unificador de todas as forças conhecidas falharam. A teoria do hiperespaço, contudo, abre a possibilidade de se explicar as quatro forças da natureza, bem como o conjunto aparentemente aleatório das partículas subatômicas de uma maneira verdadeiramente precisa. 

Na teoria do hiperespaço, a "matéria" também pode ser vista como as vibrações que se encrespam através do tecido do espaço e tempo. 

Disto se segue a fascinante possibilidade de que tudo que vemos à nossa volta, das árvores e montanhas às próprias estrelas, nada mais sejam que vibrações no hiperespaço. Se for verdade, isso nos dá um meio preciso, simples e geométrico de fornecer uma descrição coerente e incontestável de todo o universo.

Na Parte III, exploramos a possibilidade de que, sob circunstâncias extremas, o espaço possa ser esticado até se rasgar ou romper. Em outras palavras, o hiperespaço pode fornecer um meio de cavar um túnel através do espaço e tempo. 

Embora enfatizemos que isto ainda é extremamente especulativo, os físicos estão analisando seriamente as propriedades dos "buracos de minhoca", de túneis que ligam partes distantes do espaço e tempo.
 
Físicos que trabalham no California Institute of Technology, por exemplo, propuseram seriamente a possibilidade de se construir uma máquina do tempo que consistiria em um buraco de minhoca que conectaria o passado com o futuro. Hoje as máquinas do tempo já deixaram o reino da especulação e da fantasia e se tornaram campos legítimos de pesquisa científica.

Cosmólogos chegaram mesmo a propor a possibilidade sensacional de que nosso universo seja apenas um em meio a um número infinito de universos paralelos. Esses universos poderiam ser comparados a um vasto conjunto de bolhas de sabão suspensas no ar. 
Normalmente, o contato entre esses universos-bolha é impossível, mas, analisando as equações de Einstein, Cosmólogos mostraram que poderia existir uma rede de buracos de minhoca, ou tubos, que conectariam esses universos paralelos. 


Em cada bolha, podemos definir nosso próprio espaço e tempo distintivos, que só têm sentido em sua superfície; fora dessas bolhas, espaço e tempo não têm sentido algum.

Embora muitas consequências dessa discussão sejam puramente teóricas, a viagem no hiperespaço pode acabar por propiciar a mais prática de todas as aplicações: salvar vida inteligente, inclusive a nossa, da morte do universo. 

Os cientistas estão totalmente convencidos de que o universo terminará por morrer, e com ele toda a vida que evolveu ao longo de bilhões de anos. 

Por exemplo, segundo a teoria prevalecente, chamada Big Bang, uma explosão cósmica ocorrida de 15 bilhões a 20 bilhões de anos atrás fez o universo se expandir, arremessando estrelas e galáxias para longe de nós com grandes velocidades.

No entanto, se um dia o universo parar de se expandir e começar a se contrair, ele acabará sucumbindo num cataclismo abrasador, chamado o Big Crunch, ou Grande Esmigalhamento, em que toda vida inteligente será vaporizada por fantástico calor. 


Alguns físicos, contudo, conjeturaram que a teoria do hiperespaço talvez forneça a única esperança possível de um refúgio para a vida inteligente. Nos últimos segundos da morte de nosso universo, a vida inteligente poderia escapar ao colapso fugindo para o hiperespaço.

Na Parte IV, concluímos com uma questão prática, final: se a teoria do hiperespaço se provar correta, quando seremos capazes de utilizar sua força? 

Esta não é uma questão meramente acadêmica, porque, no passado, a utilização de apenas uma das quatro forças fundamentais transformou irreversivelmente o curso da história humana, alçando-nos da ignorância e da miséria das antigas sociedades pré-industrializadas para a civilização moderna. 

Em certo sentido, até o vasto percurso da história humana pode ser visto sob uma nova luz, em termos do progressivo domínio de cada uma das quatro forças. 

A história da civilização sofreu uma profunda mudança à medida que cada uma dessas forças foi descoberta e controlada.

Por exemplo, ao formular as leis clássicas da gravidade, Isaac Newton desenvolveu a teoria da mecânica, que nos deu as leis que governam as máquinas. 
Isso, por sua vez, acelerou enormemente a Revolução Industrial, que desencadeou forças políticas que acabaram por derrubar as dinastias feudais da Europa. 

Em meados da década de 1860, quando formulou as leis fundamentais da força eletromagnética, James Clerk Maxwell inaugurou a Idade Elétrica, que nos deu o dínamo, o rádio, a televisão, o radar, os aparelhos eletrodomésticos, o telefone, o forno de microondas, aparelhos de som e videocassete, o computador eletrônico, os lasers e muitas outras maravilhas eletrônicas. 
Sem a compreensão e a utilização da força eletromagnética, a civilização teria estagnado, congelada num tempo anterior ao da descoberta da lâmpada e do motor elétrico. 

Em meados da década de 1940, quando a força nuclear foi utilizada, o mundo virou mais uma vez de cabeça para baixo com o desenvolvimento das bombas atômica e de hidrogênio, as mais destrutivas armas sobre o planeta. 

Como não estamos no limiar de uma compreensão unificada de todas as forças cósmicas que governam o universo, podemos prever que qualquer civilização que domine a teoria do hiperespaço se tornará senhora do universo.

Como a teoria do hiperespaço é um corpo bem definido de equações matemáticas, podemos calcular com precisão a energia necessária para torcer o espaço e o tempo num nó ou para criar buracos de minhoca ligando partes distantes de nosso universo. 

Infelizmente, os resultados são decepcionantes. A energia requerida excede em muito tudo que nosso planeta pode reunir. De fato, a energia é um quatrilhão de vezes maior que a energia de nossos maiores aceleradores de partículas. 
Teremos de esperar séculos ou mesmo milênios até que nossa civilização desenvolva a competência técnica para manipular o espaço-tempo, ou depositar nossas esperanças num contato com uma civilização avançada que já tenha dominado o hiperespaço. 

O livro termina, portanto, explorando a questão científica intrigante, mas especulativa de qual seria o nível de tecnologia necessário para que pudéssemos nos tornar senhores do hiperespaço.

Como a teoria do hiperespaço nos leva para muito além das concepções normais, de senso comum, do espaço e tempo, espalhei por todo o texto algumas histórias puramente hipotéticas. 

Fui inspirado a utilizar essa técnica pedagógica pela preleção do ganhador do prêmio Nobel Isidor I. Rabi diante de uma plateia de físicos. 

Ele lamentou o estado calamitoso da educação científica nos Estados Unidos e repreendeu a comunidade dos físicos por negligenciar seu dever na popularização da aventura da ciência para o grande público e especialmente para os jovens. 
Na verdade, ele advertiu, os escritores de ficção científica haviam feito mais para comunicar o romance da ciência que todos os físicos somados.
Num livro anterior, Beyond Einstein: The Cosmic Quest for the Theory of the Universe (em co-autoria com Jennifer Trainer), investiguei a teoria das supercordas, descrevi a natureza das partículas subatômicas e discuti detidamente o universo visível e como todas as complexidades da matéria poderiam ser explicadas por minúsculas cordas vibrantes. 

Neste livro, expandi-me sobre um tema diferente e explorei o universo invisível — isto é, o mundo da geometria e do espaço-tempo. 

O foco deste livro não é a natureza das partículas subatômicas, mas o mundo multidimensional em que elas provavelmente vivem. 

No processo, os leitores verão que o espaço multidimensional, longe de ser um pano de fundo passivo e vazio contra o qual os quarks desempenham seus eternos papéis, torna-se realmente o ator central no drama da natureza.

Ao discutir a fascinante história da teoria do hiperespaço, veremos que a busca da natureza última da matéria, iniciada pelos gregos há dois milênios, foi longa e tortuosa. 

Quando o capítulo final dessa longa saga for escrito por futuros historiadores da ciência, eles poderão sem dúvida registrar que o avanço decisivo foi a derrota das teorias de três ou quatro dimensões fundamentadas no senso comum e a vitória da teoria do hiperespaço.

Michio Kaku um dos gênios abrindo novas avenidas do conhecimento 1

Eu deveria começar pelo Prefácio, mas acho que esta explicação é importante para se entender o que levou Michio Kaku a se interessar pela Física Teórica.



Mundos além do espaço e tempo
Quero saber como Deus criou este mundo. Não estou interessado nesse ou naquele fenômeno. Quero saber Seus pensamentos, o resto são detalhes.
Albert Einstein
A FORMAÇÃO DE UM FÍSICO
Dois episódios da minha infância enriqueceram enormemente minha compreensão do mundo e me puseram no caminho que faria de mim um físico teórico.
Lembro que meus pais me levavam às vezes para visitar o famoso Jardim do Chá japonês em San Francisco. Uma das minhas lembranças mais felizes da infância é a de ficar agachado junto ao laguinho, mesmerizado pelas carpas de colorido brilhante que nadavam lentamente por sob os nenúfares.
Naqueles momentos tranquilos, sentia-me livre para deixar minha imaginação vagar; podia fazer a mim mesmo perguntas bobas que só poderiam ocorrer a uma criança, como, de que modo as carpas naquele laguinho viam o mundo à sua volta? E eu pensava, que mundo estranho deve ser o delas!
Vivendo suas vidas inteiras naquele tanque raso, as carpas deviam acreditar que seu "universo" consistia em água turva e nenúfares. Passando a maior parte de seu tempo à procura de alimento no fundo do tanque, elas mal deviam ter noção de que poderia existir um mundo estranho acima da superfície. A natureza do meu mundo estava acima da sua compreensão. Eu ficava intrigado por poder me postar a apenas poucos centímetros das carpas, e estar, contudo, separado delas por um imenso abismo. As carpas e eu vivíamos nossas vidas em dois universos distintos, sem nunca penetrarmos o mundo um do outro um do outro, e, no entanto, separados apenas pela mais fina das barreiras, a superfície da água.

Certa vez imaginei que podia haver carpas "cientistas" vivendo entre os peixes. Provavelmente, pensei, elas zombariam de qualquer peixe que sugerisse a possível existência de um mundo paralelo logo acima dos nenúfares. Para uma carpa "cientista", as únicas coisas reais eram as que o peixe podia ver ou tocar. O tanque era tudo. Um mundo invisível além do tanque não fazia nenhum sentido científico.

Uma vez uma tempestade me pegou. Notei que a superfície do tanque foi bombardeada por milhares de minúsculas gotas de chuva. Ela se tornou turbulenta, e ondas passaram a empurrar os nenúfares em todas as direções. Abrigando-me contra o vento e a chuva, pensei como tudo aquilo seria visto pelas carpas. Para elas, os nenúfares pareceriam estar se movendo de um lado para outro por si mesmos, sem que nada os empurrasse. Como a água dentro da qual viviam deveria parecer invisível, tal como o ar e o espaço à nossa volta, elas deveriam ficar por entender como os nenúfares podiam se mover de um lado para outro por si mesmos.

Seus "cientistas", eu imaginava, iriam urdir um engenhoso invento chamado "força" para ocultar sua ignorância. Incapazes de compreender que podia haver ondas na superfície invisível, iriam concluir que os nenúfares eram capazes de se mover sem ser tocados porque uma entidade invisível e misteriosa chamada força agia entre eles. Poderiam dar a essa ilusão nomes impressionantes, pomposos (tal como ação à distância, ou a capacidade que têm os nenúfares de se mover sem que nada os tocasse).

Uma vez imaginei o que aconteceria se eu esticasse o braço e tirasse uma das carpas "cientistas" de dentro do tanque. Antes que eu a jogasse de novo na água, ela poderia se debater furiosamente enquanto eu a examinasse. Pensei como isso apareceria aos olhos do resto das carpas. Para elas, seria um evento verdadeiramente desnorteante. Iriam notar em primeiro lugar que um de seus "cientistas" desaparecera de seu universo. Simplesmente desaparecera, sem deixar um vestígio. Onde quer que buscassem não haveria um sinal da carpa desaparecida em seu universo. Depois, segundos mais tarde, quando eu a jogasse de volta no tanque, o "cientista" iria ressurgir abruptamente do nada. Para as outras carpas, pareceria que um milagre acontecera.

Depois de se recobrar do pânico, o "cientista" iria contar uma história verdadeiramente assombrosa. "Sem mais aquela", ele diria, "fui erguido de alguma maneira para fora do universo (o tanque) e lançado num outro mundo misterioso, com luzes cegantes e objetos estranhamente bem delineados que eu nunca vira antes. O mais estranho de tudo era a criatura que me aprisionou e que não tinha a menor semelhança com um peixe. Fiquei chocado ao ver que ela não tinha nem sombra de barbatanas, mas, apesar disso, era capaz de se mover. Ocorreu-me então que as leis da natureza com as quais estava familiarizado não se aplicavam nesse mundo. Depois, de maneira igualmente repentina, vi-me lançado de volta no nosso universo." (Evidentemente, esta história de uma viagem além do universo pareceria tão fantástica que a maioria das carpas a rejeitaria como pura lorota.)
Frequentemente penso que somos como as carpas que nadam satisfeitas naquele tanque. Vivemos nossas vidas inteiras em nosso próprio "tanque", certos de que nosso universo consiste apenas naquelas coisas que podemos ver ou tocar. Como o das carpas, nosso universo consiste unicamente no conhecido e no visível. Presunçosamente, recusamo-nos a admitir que, ao lado do nosso universo, possam existir universos ou dimensões paralelas, simplesmente fora de nosso alcance. Se nossos cientistas inventam conceitos como os de forças, é apenas porque não são capazes de visualizar as vibrações invisíveis que enchem o espaço vazio à nossa volta. Alguns cientistas sorriem zombeteiramente à menção de um maior número de dimensões porque elas não podem ser convenientemente medidas em laboratório.
Desde essa época, sempre fui fascinado pela possibilidade de outras dimensões. Como a maioria das crianças, devorei histórias de aventura cujos heróis viajavam no tempo, penetravam em outras dimensões e exploravam universos paralelos invisíveis, onde as leis comuns da física estavam convenientemente suspensas. Cresci cismando se os navios que se perdiam no Triângulo das Bermudas sumiam num buraco no espaço; fiquei maravilhado com a trilogia Fundação de Isaac Asimov, em que a descoberta da viagem hiperespacial dava lugar ao surgimento de um Império Galáctico.
Um segundo episódio de minha infância deixou também em mim uma profunda e duradoura impressão. Quando eu tinha oito anos, ouvi uma história que me acompanharia pelo resto de minha vida. Lembro de meus professores falando para a turma sobre um grande cientista que acabara de morrer. Falaram sobre ele com grande reverência, qualificando-o de um dos maiores cientistas de toda a história. Disseram que muito poucas pessoas eram capazes de compreender suas ideias, mas que suas descobertas tinham transformado todo o mundo e tudo que havia à nossa volta. Não entendi muita coisa do que estavam tentando nos dizer, mas o que mais me intrigou acerca daquele homem foi o fato de que morrera antes de poder completar sua descoberta mais impressionante. Disseram que ele havia dedicado anos a essa teoria, mas morreu com seus textos inacabados ainda pousados sobre sua escrivaninha.
Fiquei fascinado pela história. Para uma criança, aquilo era um imenso mistério. Que trabalho inacabado era aquele? Que havia naqueles papéis sobre a sua mesa? Que problema podia ser tio e tão importante para que tão notável cientista dedicasse anos de sua vida a investigá-lo? Curioso, decidi aprender tudo que pudesse sobre Albert Einstein e sua teoria inacabada. Ainda tenho vívidas lembranças de passar muitas horas sossegadas lendo todo livro que conseguia encontrar sobre aquele grande homem e suas teorias. Quando esgotei os livros de nossa biblioteca local, comecei a vasculhar bibliotecas e livrarias pela cidade toda, buscando avidamente novas pistas. Logo aprendi que aqueIa história era muito mais empolgante que qualquer história de detetive e mais importante que qualquer coisa que eu jamais pudesse imaginar. Decidi que tentaria chegar à raiz daquele mistério, ainda que, para isso, tivesse de me tornar um físico teórico.
Logo me inteirei de que os textos inacabados sobre a escrivaninha de Einstein eram uma tentativa de construir o que ele chamava de teoria unificada de campo, uma teoria que poderia explicar todas as leis da natureza, do mais minúsculo átomo à maior das galáxias. No entanto, sendo uma criança, não compreendi que talvez houvesse um vínculo entre a carpa que nadava no Jardim do Chá e os textos inacabados sobre a escrivaninha de Einstein. Não compreendi que as dimensões múltiplas poderiam ser a chave para a solução da teoria unificada de campo.
Mais tarde, no colegial, esgotei a maior parte das bibliotecas locais e visitei muitas vezes a biblioteca de física da Universidade de Stanford. Ali, vim a me dar conta de que o trabalho de Einstein tornava possível uma nova substância chamada anti-matéria, a qual agiria como a matéria comum, mas, ao contato com a matéria, se destruiria numa explosão de energia. Li também que cientistas haviam construído grandes máquinas, ou aceleradores de partículas, que eram capazes de produzir quantidades microscópicas dessa exótica substância em laboratório.
Uma vantagem da juventude é que ela não se deixa dissuadir por empecilhos mundanos que normalmente pareceriam insuperáveis para a maioria dos adultos. Sem avaliar os obstáculos envolvidos, pus-me a construir meu próprio acelerador de partículas. Estudei a literatura científica até me convencer de que podia construir o então chamado Betatron, que seria capaz de elevar a energia de elétrons a milhões de elétrons-volt. (Um milhão de elétrons-volt é a energia que atinge elétrons acelerados por um campo de um milhão de volts.) Antes de mais nada, comprei uma pequena quantidade de sódio 22, substância que é radioativa e naturalmente emite pósitrons (a antimatéria correspondente ao elétron). Depois construí uma câmara de Wilson, que torna visíveis as pistas deixadas por partículas subatômicas. Consegui fazer centenas de lindas fotografias de traços deixados por antimatéria. Em seguida, fiz uma busca pelos grandes depósitos de material eletrônico da área, reuni a aparelhagem necessária, inclusive centenas de quilos de restos de aço de transformadores, e construí na minha garagem um betatron de 2,3 milhões de elétrons-volt que seria potente o bastante para produzir um feixe de anti-elétrons. Para construir os monstruosos ímãs necessários para o Betatron, convenci meus pais a me ajudar a enrolar 35 quilômetros de fio de cobre no campo de futebol da escola. Passamos o feriado de Natal na linha de 45 metros, enrolando e juntando os pesados rolos que iriam curvar as trajetórias dos elétrons de alta energia.
Quando finalmente construído, o betatron de 136 quilos e seis quilowatts consumia absolutamente toda a energia que a minha casa gerava. Quando eu o ligava, geralmente queimava todos os fusíveis, e a casa ficava às escuras de repente. Com a casa mergulhada periodicamente na escuridão, minha mãe muitas vezes sacudia a cabeça. (Imagino que ela provavelmente pensava por que não podia ter um filho que jogasse beisebol ou basquete, em vez de construir aquelas imensas máquinas elétricas na garagem.) Fiquei encantado ao ver que a máquina produziu com sucesso um campo magnético 20 mil vezes mais intenso que o da Terra, que é o necessário para acelerar um feixe de elétrons.
O CONFRONTO COM A QUINTA DIMENSÃO
Como minha família era pobre, meus pais estavam preocupados com a possibilidade de eu não poder continuar meus experimentos e minha educação formal. Felizmente, os prêmios que ganhei por meus vários projetos científicos chamaram a atenção do cientista atômico Edward Teller. Sua esposa providenciou para que eu recebesse uma bolsa para quatro anos de estudos em Harvard, permitindo-me realizar meu sonho.
Ironicamente, embora eu tenha iniciado meu aprendizado formal de física teórica em Harvard, foi também ali que meu interesse por dimensões mais elevadas foi gradualmente morrendo. Como outros físicos, iniciei um rigoroso e exaustivo programa de estudos da matemática...

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