Sundries
Ela veio correndo do
mar, passou por mim gritando “Estou na praia! Estou na praia!” a espoletinha
espigada, uma gracinha que...
“Sua caipirosca seu
Flavio”. Disse Chicão, amigo jangadeiro da praia.
Eu olhava o mar lá longe, ele olhou também:
“Hoje de madrugada a água batia na mureta
do calçadão!”.
Lua nova, maré baixa, baixíssima. Entrei
n’água e, saindo, fui reclamar com o Guarda Vidas: Caramba! Isto aqui até
parece rua de São Paulo! É só buraco! “É doutor, poucas vezes vi maré assim”.
Aqui no Guarujá o nome é Guarda Vidas,
muito mais adequado que apenas Salva Vidas; salvam vidas se necessário, mas
tomam conta permanentemente dos banhistas, apitam aquele prííí estridente,
mandam a pessoa sair de zona de perigo. Andam de Jet Sky ou de bote de borracha
com motor de popa pra lá e cá delimitando a área; seu helicóptero patrulha
também sempre que há muito estrangeiro por aqui.
Voltei para a cadeira e o banquinho à guisa
de mesa que o Chicão trouxe.
Biquei a caipirosca, olhei as ondas, tive
saudades dos Gin Tônica deliciosos e mais civilizados que o que bicava,
caipirosca de Smirnoff. Caribe e Golfo do México, Saint Thomas, Saint John, Bahamas,
Virgin Islands, Caneel Bay, até na praia do Polynesian, no Lake Buena vista;
nem sei se os há de qualidade em Aruba: detestei a Ilha, fiquei dois dias
porque não havia voo antes.
Não tenho saudades das praias nem dos
milhões de dólares, mas de tomar um bom Gin Tônica na praia sim.
Eu ia escrever sobre brinquedinhos e veja
só o que é a memória! Uma coisinha à toa e desenrolam memórias imprevistas,
como ondas que se enrolam e desenrolam e nunca se pode saber o porquê, tamanho
e forma da próxima, e vem outra...
Pois é, ela veio correndo do mar, passou
por mim gritando “Estou na praia! Estou na praia!” a espoletinha espigada, uma
gracinha que foi lá pra trás junto à mãe, avós e uma acho que tia. Menos de
três aninhos, se espojou na areia, brinquedinho maravilhoso da quadrilha, com a
corda toda.
Acho que cumpri com seriedade meu papel de
brinquedinho.
Fotos mostram meus pais, avós, tios, se
divertindo comigo; mas também minha memória garante.
Dizem alguns cientistas e estudos
“provados” que a gente só começa a guardar lembranças a partir dos 3 anos, não
concordo, por experiência própria.
Eu tinha certamente bem menos de dois anos
e me lembro muito bem de eu sentado ao colo do vovô Joãozinho, santo Joãozinho,
ele meio sem jeito de brincar com criancinhas, pegou um cachorrinho pequeno de
louça da cristaleira (o Word, muito jovem, não sabe o que é cristaleira: ficou
todo vermelho; vai ver que pensou ser palavrão...) e punha uma redoma de vidro
por cima: “Oh! O cachorrinho ficou preso!”, tirava a redoma “Ôba o cachorrinho
tá solto!”.
Muitos cientistas outros garantem que não é
imaginação minha; afirmam até que a gente tem memórias intrauterinas. Alguns,
que creem em vidas futuras, que é possível ter memórias de várias gerações
passadas, é difícil acreditar, dureza provar, né?
Lá na Rua do Tanque (hoje Estado de Israel)
eu, aí já com mais de dois, menos de três, era brinquedinho e companhia de
minha mãe, fazia comidinhas com o jogo de cozinha (certamente foi ela que me
deu) com pedacinhos do que ela ia cozinhando, depois lavava panelinhas e pratinhos.
Quando acabava de fazer comida, ou era antes?, me puxava sentado no vassourão
(pronto! O Word também não sabe o que é isto) pra lá e pra cá. Creio que ela só se
desapontou com o brinquedinho quando viu que era homem; depois, que fazer?
Não tenho memórias de criancinha ou criança
de meu pai antes dos sete ou oito anos. Ele tinha três empregos; não me lembro
dele se divertindo com seu brinquedo nem mesmo aos domingos.
Não creio ter sido tarefa árdua, parece que
eu me divertia quase tanto quanto a plateia.
Mas o circo acabou, o brinquedo aprontou
poucas e boas, alegrias, sim, mas também deu muito trabalho e preocupações. Não
somos brinquedos duráveis; se volatilizam ao tempo...
Os anos foram passando e, esquecido da
realidade vivida, resolvi ter também meus brinquedinhos, sem lhes perguntar se
aceitavam o encargo.
Razoavelmente bem de saúde e finanças, não
precisava ter muitos para que no futuro tomassem conta do velhinho. Talvez eles
não concordem: já que os chamei aqui, mais um ou dois irmãos ou irmãs bem lhes
poderiam aliviar a carga. Ou não, quem sabe?
É uma baita loteria querer ter estes
brinquedos! Como as ondas, é imprevisível como vêm e o resultado.
Os meus foram todos lindos, gracinhas,
fonte só de brincadeiras e alegrias, inclusive a Dani enquanto bebê. Esta, na
loteria, ganhou hipotireoidismo primário, coisa que hoje não é problema algum
com o teste do pezinho; mas a loteria foi jogada antes disso. Meu eterno
anjinho aos vinte e um voltou aos céus; onze anos faz, e vive aqui como os outros
bem ao meu lado.
Les jeux sont faits.
A menininha saiu chutando uma bola; só sabe
chutar pra frente e corre cada vez mais longe. A mãe sai correndo atrás. Dois
brinquedos se brincam.
Afinal quem é brinquedo de quem? De que ou
quem somos brinquedinhos?
O mar deve saber a resposta.
Pergunto.
“The answer my friend is blowing with the
Wind!”.
Entendo: o vento, normalmente de 110 graus,
virou para 170! Horizonte quase negro.
Obrigado!
Tempestade.
Me mandei correndo pra casa.
FMFG
Abril de 2013
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Foto: Galina Barskaya |