Criador e diretor de
tantos enredos famosos, nem tanto ou amplamente ignorados, romances, épicos,
comédias, dramas, poucas tragédias, hoje, como o personagem fielmente
interpretado por Mastroiani na obra prima de Fellini, eis-me em névoas, entre
estruturas em constantes metamorfoses, escadas em degraus frágeis, cada um uma
memória, algaravia.
Passei meses tentando
resolver problemas aparentemente insolúveis, em dura batalha pela sobrevivência.
Nem dava para pensar no enredo em que estava enredado. Não dava para escrever.
Escuridão, vazio, ou desânimo. Foi como o “deserto da alma” por que passaram e
descreveram crentes, sacerdotes, escritores, anacoretas.
Escrevo agora e espero
poder continuar novamente.
Chegar a viver muitos
anos é uma bênção: tempo suficiente para curtir a vida, continuar a curti-la,
celebrar memórias, conviver e entender a morte como amiga certa.
É um novo enredo,
enevoado por certo; obra que, quando finalizada, certamente será prima, ao
menos como única.
Voltei à minha Pitangueiras, que considero
minha Pasárgada, onde sou amigo de um Rei trino em um, como a Santíssima
Trindade: Sol, Mar, Praia. E onde tenho tudo que um “sênior” precisa ter bem
perto: Mercado, Padaria e Farmácias. Vou morar e viver aqui até sempre.
Nestes poucos dias a
reencontrei e a mim.
Não há necessidade de
carros. Caminha-se, se olha e se vê, se escuta a melodia alegre ou plangente
das ondas, se encontra gente que se cumprimenta ou poucas que não pelo
calçadão, pelas ruas, em qualquer lugar; e é um pequeno passeio para se chegar até
o chamado “Centro”.
Em meu projeto esfumaçado, obra prima e
final, estou atento a cada vista, audição, olfato, tato, sentimento,
premonição, insight, devaneio... E por que sei que ainda tenho muito tempo para
viver trato tudo e tanto com respeito.
Ando, vejo, sinto
cheiros, cumprimento, afago ou não, infinitas formas a que chamamos de gente,
cães, gatos, pássaros, andorinhas, garças, pipas, asas delta, parapentes, urubus...
Todas e cada uma diferentes, em suas formas,
jeitos, trejeitos, sons e cheiros. Todas
em invólucros, como eu também; poucas – se alguma – ensimesmada com seu enredo.
Seu que ser.
Muitas satisfeitas com a possível bonita aparência
de seu pacote, algumas até disto orgulhosas. Outras tantas resignadas; destas,
muitas revoltadas, com semblantes que o
atestam; muita gente tão feia que nem mais disto se ocupa.
Zilhões alegres e
sorridentes, outros tanto não ou nem tanto. Até parece que alegria só bafeja a
quem é jovem em idade e ainda inconsciente...
Em meu enredo enevoado, sinfonia ou
cacofonia inacabada, procuro onde estão todos, os eles verdadeiros: dentro, fora
ou além de seus invólucros? Onde estou eu que os vejo como pacotes inteiros e a
mim só aos pedaços? Quase inteiro,
só em duas dimensões, por espelhos?
“Veja o ilustre
transeunte que o senhor tem ao seu lado...” formas femininas de voz maviosa, de
voz sensual “de madrugada”, fanhosa e fina..., masculinas de voz grave ou
falsete, algumas mais pra femininas. Gente “sarada”, mais ou menos, desgastada,
encarquilhada, velha como eu ou mais...
Chegar aos setenta e “oito
e meio” – me trouxe meios para pensar, filosofar, me maravilhar com tudo isto.
Não tenho ainda respostas, talvez só as
venha a ter com minha amiga morte, ou nem mesmo então. Mas sei que nossas
memórias, como já escrevi em outro texto em meu blog, não cabendo no cérebro,
estão aí, acessíveis, em outras dimensões; talvez os comandantes de nossos
invólucros lá também estejam.
Por enquanto é celebrar
com a trupe do circo, como no final de Oito e Meio.