sábado, 6 de abril de 2013

Urubuservando


Sundries


Notívago, vou para a praia à tarde.
Outono já entrado, já são quatro e meia da tarde e, virado para o sol, ainda sorvo seus raios, nesta Pitangueiras que adoro. Um mergulho, uma nadada, volto a sentar, olho, vejo, escuto.
Eles agora estão bem alto, sobre a floresta, arrodeando o Morro da Caixa D’água em seu voo planado e lento; protetores nossos, bons agentes de saúde pública, em seus sóbrios uniformes pretos.
Sol agora só entrando n’água; a sombra dos prédios já cobre toda a faixa de areia. É o que faço; uma mergulhada e ficar na beira haurindo a carícia do sol até seus últimos suspiros de hoje.
Viro a cadeira para o mar e olho, vejo, escuto, escuto.
Dois velhotes ali à minha direita se levantam e vão caminhar; barrigudinhos, tudo bem. Mas como somos deselegantes os originários de plagas equatoriais e tropicais! Pernas curtas em relação ao corpo, no mais das vezes atarracados, troncos grossos, mulheres seiúdas e bundudas. É raro encontrar exemplar longilíneo de pernas longas, raríssimo “una donna di gambe lunghi, ò anche cosi un ragazzo”...
Por aqui só descendentes de raças nórdicas ou de algumas tribos africanas possuem leveza do andar e elegância do corpo.  Me encafifei e fui procurar dados biométricos por raça, região ou país que pudessem explicar estas diferenças. Nada que preste encontrei. Enviei pedido ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Ainda não responderam. Continuo encafifado. Esteta amador nas horas vagadas, triste com a desestética nossa.
É hora dos andarilhos, ali vêm três senhoras moças. Mesma desilusão.
Embora haja um pouco de frescobol durante o dia, agora é sua hora também. Li, sei lá onde, sobre a diferença entre o tênis e o frescobol: naquele é um contra o outro, neste um com o outro. Gostei!
Olha que beleza! Uma garça! Solitária, parece novinha, linda em seu vestido branco, pescoço e bico longos, pernas altas, elegante. Nunca vi outra aqui. Chegou antes das gaivotas, que não tardarão. Vêm em bandos em voo suave, elegante, pousam e... são equato-tropicais... Peitudas barrigudas, perninhosas. Belas de se ver no ar, tem piado, aliás grasnido, cacofônico.  Ao menos andam com pescoço ereto, sem o vai-e-vem do dos sujos e sugeirentos pombos que infestaram a praia durante o dia. M’encafifei com este cacoete de andar dos bichinhos e fui investigar. Um professor da USP explica que galináceos têm a pélvis dura e quase colada às patas, por isso o movimento: para se equilibrar. "Tadinhos, né? Quiéque usam para torcicolo?"
Dão rasantes sobre a beira do mar, pousam e bicam a areia, entram um pouco nas pequenas ondas, bicam... Não sei o que ali encontram para... Oi! Aquela, pelo esforço que fez para engolir acho que pegou um peixinho. 
Aí eu disse, que não, que estava na Paulista, aí ela disse que fez um bolo pra Aninha que ia lá e aí disse preu ir também, aí eu disse que eu então eu ia, mas perguntei se a Marcela também não ia, aí ela disse que já tinha convidado, aí eu disse que ia. Aí eu fui e a Marcela chegou logo, e o bolo tava uma delícia. Aí eu ia sair e caiu aquela chuvarada aí ela disse preu jantar lá...
Papo de mulher na praia.
Olha aquela ali! Parece um homem com os olhos saltados, careca, com a cabeleira das têmporas voando pra trás. Que nem que eu forando os olhos saltados.
E aquela outra, um peixe longo tinto de lâminas alaranjadas. Êpa! O bico mudou, virou bocarra de moreia.
É tempo de nuvens, claras e escuras, se enfeitarem com as cores do fim de por de sol e estimularem a imaginação. Mais festa para olhos, cuca e alma.
O que será que aqueles dois grupinhos estão fazendo, varrendo a areia na beira das ondas com sacos vermelhos?
Fui lá olhar; os sacos são de tecido plástico furadinho.
– Por curiosidade, o que você está fazendo?
– Caçando minhoca da praia pra isca de pesca.
O careta olhou e examinou a areia, meteu as duas mãos em concha num lugar em que eu não via nada e puxou uma das tais minhocas, fina e longa pra burro, enfiou-a num plástico que levava à cintura.
Ah! Agora entendo o que as gaivotas procuram na areia da arrebentação das ondinhas. Cultura inútil? Não creio que haja cultura inútil. Deixa a informação lá no sótão.
Um dos navios da longa fila de espera para entrar no porto acendeu as luzes. Agora outro, e outro, todos. Enfeitam mar e horizonte com um colar de pérolas, umas resplandecentes, outras mais recatadas; algumas pulsantes.
Aqui o dia todo é festa, desde manhãzinha com a arribada dos jangadeiros da areia, a balbúrdia e algazarra de crianças e jovens... Cenário e atores se revezam e trocam.
Magnífico, incrível espetáculo!
E não se paga ingresso! É só estar, olhar, ver, ouvir, se maravilhar.   

   
FMFG
Abril de 2013



3 comentários:

  1. Flávio,
    QUE DELÍCIA!
    Gostei muito de compartilhar a tarde na praia contigo.
    Conta mais, por favor, que já assumi a postura de ouvinte. Obrigada!
    Norma.

    P.S.: Há muito não vejo/leio um 'encafifado' usado com tanta propriedade :) Nac♥

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  2. Obrigado, minha ouvinte querida!

    Tê-la como "ouvinte" é enorme prestígio e incentivo.

    Gostaria muito de ser seu 161o ouvinte também, mas ainda não encontrei seu blog!

    Beijo agradecido e carinhoso.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, Poeta, não o tenho, mas nos 'esbarramos', com frequência, no espaço da Marligo, via pela qual vim a conhecer o seu.

      Agora, se e quando, de um for a feliz proprietária, serás um dos primeiros a saber: Gosto de pessoas que sabem ser gentis consigo próprias, para começar...
      Boa Sorte, Norma

      Excluir

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