quinta-feira, 11 de abril de 2013

Brinquedinhos


Sundries

Ela veio correndo do mar, passou por mim gritando “Estou na praia! Estou na praia!” a espoletinha espigada, uma gracinha que...

“Sua caipirosca seu Flavio”. Disse Chicão, amigo jangadeiro da praia.

Eu olhava o mar lá longe, ele olhou também:

“Hoje de madrugada a água batia na mureta do calçadão!”.

Lua nova, maré baixa, baixíssima. Entrei n’água e, saindo, fui reclamar com o Guarda Vidas: Caramba! Isto aqui até parece rua de São Paulo! É só buraco! “É doutor, poucas vezes vi maré assim”.

Aqui no Guarujá o nome é Guarda Vidas, muito mais adequado que apenas Salva Vidas; salvam vidas se necessário, mas tomam conta permanentemente dos banhistas, apitam aquele prííí estridente, mandam a pessoa sair de zona de perigo. Andam de Jet Sky ou de bote de borracha com motor de popa pra lá e cá delimitando a área; seu helicóptero patrulha também sempre que há muito estrangeiro por aqui.

Voltei para a cadeira e o banquinho à guisa de mesa que o  Chicão trouxe.

Biquei a caipirosca, olhei as ondas, tive saudades dos Gin Tônica deliciosos e mais civilizados que o que bicava, caipirosca de Smirnoff. Caribe e Golfo do México, Saint Thomas, Saint John, Bahamas, Virgin Islands, Caneel Bay, até na praia do Polynesian, no Lake Buena vista; nem sei se os há de qualidade em Aruba: detestei a Ilha, fiquei dois dias porque não havia voo antes.

Não tenho saudades das praias nem dos milhões de dólares, mas de tomar um bom Gin Tônica na praia sim.

Eu ia escrever sobre brinquedinhos e veja só o que é a memória! Uma coisinha à toa e desenrolam memórias imprevistas, como ondas que se enrolam e desenrolam e nunca se pode saber o porquê, tamanho e forma da próxima, e vem outra...

Pois é, ela veio correndo do mar, passou por mim gritando “Estou na praia! Estou na praia!” a espoletinha espigada, uma gracinha que foi lá pra trás junto à mãe, avós e uma acho que tia. Menos de três aninhos, se espojou na areia, brinquedinho maravilhoso da quadrilha, com a corda toda.

Acho que cumpri com seriedade meu papel de brinquedinho.

Fotos mostram meus pais, avós, tios, se divertindo comigo; mas também minha memória garante.

Dizem alguns cientistas e estudos “provados” que a gente só começa a guardar lembranças a partir dos 3 anos, não concordo, por experiência própria.

Eu tinha certamente bem menos de dois anos e me lembro muito bem de eu sentado ao colo do vovô Joãozinho, santo Joãozinho, ele meio sem jeito de brincar com criancinhas, pegou um cachorrinho pequeno de louça da cristaleira (o Word, muito jovem, não sabe o que é cristaleira: ficou todo vermelho; vai ver que pensou ser palavrão...) e punha uma redoma de vidro por cima: “Oh! O cachorrinho ficou preso!”, tirava a redoma “Ôba o cachorrinho tá solto!”.

Muitos cientistas outros garantem que não é imaginação minha; afirmam até que a gente tem memórias intrauterinas. Alguns, que creem em vidas futuras, que é possível ter memórias de várias gerações passadas, é difícil acreditar, dureza provar, né?

Lá na Rua do Tanque (hoje Estado de Israel) eu, aí já com mais de dois, menos de três, era brinquedinho e companhia de minha mãe, fazia comidinhas com o jogo de cozinha (certamente foi ela que me deu) com pedacinhos do que ela ia cozinhando, depois lavava panelinhas e pratinhos. Quando acabava de fazer comida, ou era antes?, me puxava sentado no vassourão (pronto! O Word também não sabe o que é isto)   pra lá e pra cá. Creio que ela só se desapontou com o brinquedinho quando viu que era homem; depois, que fazer?

Não tenho memórias de criancinha ou criança de meu pai antes dos sete ou oito anos. Ele tinha três empregos; não me lembro dele se divertindo com seu brinquedo nem mesmo aos domingos.

Não creio ter sido tarefa árdua, parece que eu me divertia quase tanto quanto a plateia.

Mas o circo acabou, o brinquedo aprontou poucas e boas, alegrias, sim, mas também deu muito trabalho e preocupações. Não somos brinquedos duráveis; se volatilizam ao tempo...

Os anos foram passando e, esquecido da realidade vivida, resolvi ter também meus brinquedinhos, sem lhes perguntar se aceitavam o encargo.

Razoavelmente bem de saúde e finanças, não precisava ter muitos para que no futuro tomassem conta do velhinho. Talvez eles não concordem: já que os chamei aqui, mais um ou dois irmãos ou irmãs bem lhes poderiam aliviar a carga. Ou não, quem sabe?

É uma baita loteria querer ter estes brinquedos! Como as ondas, é imprevisível como vêm e o resultado.

Os meus foram todos lindos, gracinhas, fonte só de brincadeiras e alegrias, inclusive a Dani enquanto bebê. Esta, na loteria, ganhou hipotireoidismo primário, coisa que hoje não é problema algum com o teste do pezinho; mas a loteria foi jogada antes disso. Meu eterno anjinho aos vinte e um voltou aos céus; onze anos faz, e vive aqui como os outros bem ao meu lado.

Les jeux sont faits.

A menininha saiu chutando uma bola; só sabe chutar pra frente e corre cada vez mais longe. A mãe sai correndo atrás. Dois brinquedos se brincam.

Afinal quem é brinquedo de quem? De que ou quem somos brinquedinhos?

O mar deve saber a resposta.

Pergunto.

“The answer my friend is blowing with the Wind!”.

Entendo: o vento, normalmente de 110 graus, virou para 170! Horizonte quase negro.
Obrigado!

Tempestade.

Me mandei correndo pra casa.



FMFG
Abril de 2013

Foto: Galina Barskaya



6 comentários:

  1. Flávio, lindo texto. Lindas lembranças. Amei. Repita a dose, sempre. Baita beijo, Marlene Piñol

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    Respostas
    1. Obrigado Marlene querida!
      Aprovação por você é baita elogio e incentivo.
      Beijão e sôdades.

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  2. É isso aí! Os filhos, netos, bisnetos... são a única "coisa" realmente valiosa da vida.
    Você devia ter começado a se publicar mais cedo: vejam quanto estivemos perdendo!
    Grande abraço
    Luiz A. Góes

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    Respostas
    1. Obrigado, Góes amigo,
      Pelo carinho e incentivo.
      Grande abraço e ótimo fim de semana, curtindo filhos e netos.

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  3. Anteriormente, ao seu texto (essa 'praia' está muito boa, mesmo) assisti ao E. Galdeano. Aqui 'Es tiempo de vivir sin miedo'.

    http://youtu.be/gujK5WEVG8g

    onde ele conta uma passagem com uma meninha de uns 2 anos, que cumprimentava a grama:

    "bom dia, graminha'

    e conclui: 'Nessa idade somos todos pagãos e poetas'.

    Quem disse que coisas grandes não podem estar 'escondidas' nas pequeninas..?

    Obrigada pelo texto acalentador.
    Semaninha boa, Norma.

    P.S.: Gin? Gin? Não, obrigada! Nem na borda da piscina... Trauma? Sim, pode ser.
    Beefeater/Gordon´s/Tanqueray/Bombay - nenhum deles (nem com soda limonada ou no dry martini - prefiro a Bond's way = vodka, mas só mexido). Por ser egressa de navegação, os conheço, mas do passado vem a voz do meu pai conversando com um amigo, sobre um terceiro:
    "Sim, é lamentável. Gin em tal escala... É bebida terminal!"
    Marcou-me para todo o sempre. (^.^)
    Nac♥

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  4. Obrigado, uma vez mais, Norma!
    Seus comentários, além de acalentadores, me trazem pérolas como esta fala deste excelente poeta, filósofo, escritor.
    Assim que li seu comentário fui assistir ao vídeo e... acabei me esquecendo de responder a você! Bem, antes tarde que mais tarde, agradeço e comento: além da menininha que cumprimentava a grama achei maravilhoso isto:

    La utopía está en el horizonte. Camino dos pasos, ella se aleja dos pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. ¿Entonces para que sirve la utopía? Para eso, sirve para caminar.

    Maravilhoso.

    Vou divulgar Urbi et Orbe.

    Você é egressa de navegação? Meu filho Pedro já velejou muito, ganhou dinheiro transportando gentes do Panamá para a Colômbia, velejou pelo norte da América do sul, mar do caribe, sul dos EUA, atravessou o Atlântico Norte com um companheiro em direção à França, tudo na Moana, um veleirinho de 28'. É Capitão e Instrutor certificado de navegação oceânica para navios de até 30 m, hoje trabalhando como instrutor em formação de capitães em escola na França, ao sul de Saint Malo, com 24 aninhos. Baita orgulho meu.
    Quanto ao Dry Martini, fiquei-lhe muito grato quando de minha primeira ida aos Estates, em novembro, para reunião do conselho da presidência do BID, ao tempo do maravilhoso e saudoso Felipe Herrera. Não tinha roupas adequadas nem muita grana, voltei a pé para o Washington Hilton. Já nem sentia os pés. Sentei-me no bar e tomei meu primeiro DM; dali a a pouco comecei a sentir os pés, as pernas...Ah! Que sensação deliciosa!

    Só tomo (raramente pois é caro) no máximo dois, e no almoço; bebida noturna é scotch, cognac, vinho tinto encorpado.

    Abraço.

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