É paliativo?
O que?
Não entendi, mas minha filha respondeu para a
enfermeira que sim.
De tudo, isto é o que mais me pesa e dói até hoje.
O logo antes e o depois já foram, a muito custo,
digeridos, entendidos creio; inclusive com pequenas passagens alegres,
divertidas ou ao menos engraçadas.
Paliativo foi e é ainda demais.
Ele é a presença que sempre foi e será sempre, do
maninho sapeca, malandro, sempre aprontando tantas, sempre moleque, sonhador
inconstante, mas trabalhador sim, meu maninho, meu quase que alter ego, eu que
também fui e sou um tanto assim.
Logo ou um pouco antes me comovi com ele escovando os
dentes e ensinando como isto era bom, com as pitadinhas que demos ele encostado
à janela, das mentalizações que fiz, agarrado às suas mãos ou passando minha
mão em seu corpo, mandando que as células doentes se transformassem em
autofágicas comedoras das outras...
Maninho, tudo isto ainda era bom, havia sempre um fio,
tênue, improvável, mas havia em mim, em nós todos, esperança do milagre.
“Paliativo” acabou comigo! Acabou e me acaba até hoje.
Logo e nos poucos dias depois o beijei, abracei, e de
mãos dadas nós dois sonhávamos viajar num veleiro lindo, muito melhor que o que
sua irmãzinha fez de tudo pra lhe dar. Ela, que não teve outro irmão assim, o
adora e me diz que sim, seu veleiro é beleza!
Imagens de você muito pequenino, sentado ao penico,
odiando o cheiro de seu próprio cocô, mãozinhas tapando o nariz com o lenço com
perfume que a mãe lhe dava, dizendo “Espera, ainda tem um pouco aqui na
cabecinha”.
Você e a meio-prima, pequeninos na porta de casa, sentados
sobre as pernas, fingindo-se amputados, vendendo revistinhas velhas.
Você trazido às costas e o irmão do meio arrastado à
mão, bebadinhos ao encher as garrafas de vinho dos frades dominicanos, você que
caiu de cabeça fazendo ginástica do portão, que levou à mãe divinatória, ainda
no hospital, a ligar para todos para saber de você.
Você, malandro que cabulava aulas no Santo Agostinho
para farrear com seu xará. Que tanto nos ocuparam as conversas e preocupações
na universidade que não chegou a concluir.
Que batalhou como atendente comercial e de pista em
São Paulo, depois atendente comercial em Recife, onde encontrou a maravilhosa
menina com quem se casou.
Você de volta aqui, empreendedor e companheiro meu
comprando e comercializando sucata.
Você maluquinho comprando seus barcos e veleiros, que
foram tragados com o fim da Cofavi e de sua empresa.
Você que teve sonhos de amores malditos de que, além
da esposa sempre amada, só sobrou um verdadeiro e que durou tão pouco.
Você, querido de que me sobra tanto e tão pouco,
Não aguento, nunca me acostumarei com o
Paliativo.
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