sábado, 13 de outubro de 2012

Natal de 98


Trecho de “Minhas Reminiscências”

Eu saía “para trabalhar” lá no cubículo. Pelo menos até os primeiros meses de 98 quando até a consultoria da Excell também acabou.

Todas as manhãs depois da primeira semana ou dez dias de dezembro Dª. Mãe (como eu a chamo desde então) me dizia que precisava ir ao Pão de Açúcar comprar alguma coisinha para o Natal. – “Deixe que estou tratando disso, não se preocupe”.

Pedro pediu uma fita de videogame que tinha sido recém-lançada no Brasil, “Zelda”. Prometi que a teria. Criança sabe e sente tudo que se passa; também sofria imaginando que eu não conseguiria atendê-lo. E, já então, quase todos seus amiguinhos do Portal e colegas de escola tinham a fita!

O meu eu íntimo não teve dúvidas, procurou o tal agiota e fez um empréstimo de 10 mil Reais, a 10% ao mês.

Fui buscar a grana (9 mil pois os primeiros 10% já vinham descontados) numa casa tipo pequeno palacete um tanto decrépito, cor amarelo-sujo, em uma pracinha escondida a que se tem ainda hoje acesso por uma rua estreita que sai da Av. Rodrigues Alves lá mais para o alto.

Mesmo antes de acionar a campainha um cão latia na lateral da casa.

Alguém apareceu por momentos através dos vidros da porta de entrada e desapareceu. Penso que tenha ido prender o “latinte”.

Voltou, abriu o portão da mansão, desceu e abriu o de entrada para mim. Aquelas babaquices usuais e me guiou para a entrada.

Todo o térreo, desde a entrada estava cheio de caixas, mostruários, araras, estantes, com um monte de bugigangas, tudo na maior bagunça. Subindo a escadaria, o primeiro andar era repetição do térreo, com uma pequena diferença: um monte de caixas de eletro-eletrônicos.

O “escritório” do cara não podia ser diferente, né?

Ninguém mais na casa, só ele e seu cão; agora eu também.

Fez questão de me informar que era estreitamente ligado a políticos e policiais-políticos famosos e conhecidos, alguns ainda politicando até hoje, meus conhecidos dos tempos de Vasp e de opulência; que ele ajudava em suas campanhas...

Entendi o recado: era pagar ou “ser sumido”.

Embora não tivesse mais o seguro fabuloso, naquela situação seu discurso só me fez rir (por dentro, lógico).

Toda esta operação de achar o agiota e fechar o acordo fez com que só tivesse dinheiro livre pouco antes do dia 20.

No dia seguinte fui com Dª. Mãe ao Supermercado. Ela cuidando para não gastar muito; eu fazendo questão de que houvesse tudo de que ela gostava e em quantidade para que ela fizesse sua ceia e almoço de Natal para toda a família sem muito excesso, mas com fartura.

Alegre como uma criança que já tivesse recebido seu presente do Papai Noel, se ocupou em tratar de assar o pernil, ou lá o que tenha sido, se esbaldou na cozinha, na arrumação da casa e da mesa, e em produzir suas famosas e requisitadas rabanadas ou fatias do céu, como as queiram chamar.

Sufoco foi conseguir o raio da “Zelda”! Coqueluche do momento – e com razão como vim a descobrir acompanhando o Pedro em sua saga para salvar a princesa – estava esgotada em todos os lugares possíveis!

Recorri ao pessoal da Première, locadora da qual eu era sócio há muito tempo. Pedi que procurassem para mim, não importava o ágio se existisse (afinal ágio seria meu companheiro e algoz por mais 10 meses...).

Dois dias de angústia e tristeza profunda: toda a minha saga parecia ter sido inútil para que eu cumprisse minha promessa para com o Pedro.

Quando me telefonaram dizendo que haviam reservado a última que uma de suas filiais tinha em Perdizes, saí imediatamente e a comprei. Não vinha com a caixa bonita, mas era nova e virgem e com a embalagem interna original. Paguei 120 Reais, preço normal.

Não tenho como descrever minha alegria de pai, de pai de um garotinho que passara e estava passando por dificuldades e traumas, ao vê-lo abrindo o pacote na manhã de 25. Imagino que sua alegria pelos olhinhos brilhantes, pelos beijos e abraços que me deu, tenha sido enorme. Certamente não tão grande quanto a minha.

FMFG

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