quarta-feira, 29 de maio de 2013

Não foi uma maçã!

Foi o cocô do passarinho bem no meio de minha careca.


Olhei para cima e vi o pequeno invólucro, enfeitado por penas e penugens, azul com papo e peito amarelo, virando a cabecinha pra lá e cá, continuando o trinado harmonioso que eu já escutava antes de ser alvejado.

Tentei um assovio meio trinado; não me deu bola e continuou no seu.

Eu o via, a seus movimentos e trejeitos, o bico que se abria e fechava, mas tudo isto não era ELE! Não podia ser nem o invólucro, muito menos o que este aparentemente continha. Onde estaria ELE?

Pensei que ele também me via, ou melhor, via meu exterior, meu movimento de cabeça, escutara meu assovio desajeitado, e também não saberia onde estaria EU.

Não cheguei a formular mais uma teoria do movimento dos astros, mas o cocozinho abalou meus fundamentos de até então.

Passei eu mesmo a examinar meu invólucro aparentemente delimitado por uma pele, descontínua, porosa, indefinida, variável e em mutação constante e imprevisível em escalas atômicas, cheia de buracos especiais com funções específicas, que me ligam definitivamente ao tudo e a todos. É meu continente, assim pois devassado e devassável, sujeito a muitas coisas, inclusive a cocô de passarinho. Não! Isto não sou EU. Não posso ser o  eu que assim me observo.

Vamos tentar então o conteúdo.

Sob a pele tecidos, por baixo alguns músculos, ossos, nervos, fios e canos de variados tipos. Olhos olhando, meio que flutuando nos orifícios do crânio, a chamada massa cinzenta, neurônios, sinapses e que tais, baita rabo descendo do cérebro pela coluna e se ramificando, mandando impulsos e ordens para um montão de órgãos, meu continente e conteúdo chupando ar poluído e devolvendo ar mais poluído ainda, recebendo água e alimentos, usando deles o que consegue e devolvendo tudo bem piorado.




NÃO! Isso tudo não sou EU!

Então onde estou eu, que me valho de meu continente para ver, cheirar, sentir, abraçar, beijar, amar outros continentes queridos; decidir que outros não merecem atenção especial; outros ainda devam ser evitados...  Eu que dele também me valho para me maravilhar com o mundo, com o universo, com um verso ou poema, o poema de um continente atraente e bonito, uma melodia e obra de arte?

E por que outros continentes e conteúdos, todos na essência iguais, podem odiar, se odiar, matar, por sei lá quê, por religião ou preconceito, por ideologias as mais diversas?

É por isso que o raio do cocozinho abalou minhas fundações.

Mais que ateu, era agnóstico; “duvidista” duvidando de tudo, mesmo de minhas certezas, e ainda assim sempre sobrou a certeza de que tudo acaba na morte, morre-se e “puff” acabou...

E agora, José? EU não estou nem em meu continente nem em meu conteúdo. Talvez em meu conteúdo apenas uma antena ou lá o que seja que o comunique COMIGO.


Serei eu um holograma do EU que existe em outra brana?  



Como ninguém sabe o que é a “nossa alma” e os que dizem que sabem não sabem explicar a não ser viajando por teologias e fábulas fantásticas, vou usar a palavra como sendo o EU, que não tenho ideia de onde esteja.

Apoiado por físicos, cientistas e filósofos, e em suas teorias, e também nas minhas próprias já escrevi sobre o fenômeno da memória, destacando o que pude compreender de Pitkanen, viajando com a ajuda de Penrose, Feynman, Kaku, Gleiser, e especialmente de Robert Paster. Quem tiver curiosidade pode ver minhas ideias e conclusões em meu blog, aqui em  "A memória cabe no cérebro?".

Certamente isto foi uma preparação para entender o cocô do passarinho.

Creio agora, com as ressalvas do “duvidismo”, que realmente há alguma coisa de nós que não pertence à dimensão do tempo, certamente não apenas a quatro dimensões; uma alma que pode não ser exatamente aquilo que enquanto vivos se É, mas que permanece, pertencendo a um invólucro muito maior, também de “pele” indefinida e inconstante, a que chamamos de Universo ou Multiversos.

Sim, como todos os membros da Academia Brasileira de Letras, sou imortal!

Agora, porque EU sou dependente e prisioneiro deste continente e conteúdo tão incongruentes?  Isto é uma outra história que é melhor, por enquanto, deixar par lá.

Uma das coisas que sempre me incomodaram em física e cosmologia foi a recusa de gente da categoria de Hawking dizer que as teorias antrópicas do Universo fossem balelas. Sem base sólida em física e filosofia minha intuição de há muito foi que o Universo existe porque o “vemos” ou “observamos”.

Bem, ontem, 27 de maio de 2013, li um artigo de Marcelo Gleiser “Universo Consciente?” em que acompanhando as demonstrações de Eugene Wigler e John Wheeler se pergunta: “Essa visão traz o dilema: será que o Universo só faz sentido porque existimos?”.

Fui ver o que conseguia entender de Wigler e Wheeler. Bom... Muito pouco, a não ser que sua teoria, que foi provada experimentalmente, diz em resumo que “...a quantum measurement requires a conscious observer, without which nothing ever happens in the Universe”.

É isso aí, amigo Gleiser: “Os Universos só existem na medida em que haja observadores”, Ou seja, houve, há e haverá tantos universos quantos o tiverem sido, sejam e serão seus observadores. Não, Gleiser, não cabe sua forma “majestática” de dizer que faz sentido porque “nós” o observamos. Nós quem, cara pálida?

Daí vem mais uma complicação que será, certamente, descomplicada por você, Gleiser, Paster, e outros pesquisadores da física, clássica, quântica ou das teorias das cordas, por cosmólogos, filósofos et alia em algum tempo.

E, se realmente houver tantos Universos quantos observadores, como é que sincronizamos nossos universos particulares para que nos comuniquemos sobre o que observamos com tanta confiança de que sejam a mesma coisa, que nos entendamos aparentemente tão bem quanto ao que pensamos estar vendo e vivendo?

Vejam só o que um simples cocozinho de pássaro aprontou em mim!


Inquietudes e indagações à parte sobrou-me a certeza de que, de algum jeito – espero que de forma mais autêntica e livre de nossas tribulações e cacoetes pelo aqui – somos mesmo imortais.



4 comentários:

  1. Fronteiras são marcos imaginários que criamos para nos dar a falsa ilusão de poder e segurança.Se tudo é "carbono": o coco do passarinho esta dentro e ao mesmo tempo fora de nossas cabeças.Né?

    Achei seu texto incrível.
    Parabéns e obrigado pela condução na viajem,raciocínio,dados
    fundamentais e primor na elaboração da redação.

    Abração

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Beto!

      É isso mesmo, não é o "Gato de Schrödinger", mas o "Cocozinho de Schrödinger"... rs

      Abração.

      Excluir
  2. Ubuntu = Sou o que sou porque somos o que somos. (sabedoria africana holística.
    Obrigado pelo texto instigante que me levou a uma viagem cosmológica no tempo e me fez recordar um dos primeiros livros modernos de reflexão filosófica e existencial: Teu Outro Eu, de Jean Vieujean - 1958.
    Abração

    ResponderExcluir
  3. Obrigado, Bene,
    Comentário vindo de você é muito importante e especial para mim.
    Já fiquei curioso e encomendei o Teu outro Eu pela Estante virtual; deve chegar em dois ou três dias. Obrigado também por esta dica.
    Abração.

    ResponderExcluir

Clique no assunto para acessar as respectivas postagens:

acordar (1) ajuda a adiantados. (1) ajuda a iniciantes (1) alcançar (1) álcool (1) alegria (2) além (1) alma (1) amar (1) amizade (1) amor (2) Anabela Gradim (1) angústia (1) Ano Novo (1) António Fidalgo (1) Antrópico (1) aposentadoria (1) aprendizado (1) Apresentação (1) argonautas (1) asteróide (1) ateísmo (1) ateísmo militante (1) autossuficiência (2) Azagaia (1) Bacamarte (1) barbárie (1) batida (1) bebado (1) bebedeira (1) Beleza (1) Big Bang (1) bombardeio (1) boto (1) Brahms (1) Brasil (1) brinde (1) Bunker Roy (1) buraco (1) busca (1) cabeça (1) cabecinha (1) cadeira (1) Caminho (1) câncer (1) Carl Sagan (1) carro elétrico (1) caseiro (1) cérebro (1) Chico Buarque (1) China (1) ciência (2) Ciências (9) cinema (1) Claudio Villas Boas (1) cocô (1) comportamento (1) comprovado (1) comunismo (1) concussão (1) consumo de energia (1) conteúdo (1) continente (1) Conto (2) Contos (1) Corpo (1) cortisol. (1) Covid (1) crânio (1) criança (2) crianças (2) crônica (3) cuidados (2) curiosidades (1) dedicação (1) Delfos (1) Depressão (1) desastre (3) Desbravar (1) Descartes (1) Descobrimentos (1) descontrair (1) desenho (1) desidratação (1) desidratação. (1) Desígnios (1) destino (1) detritos (1) deuses (1) devoção (1) Dia Novo (1) diagnóstico (1) dicas (1) dislexia (1) Ditadura (2) DNA (2) doença (1) doença de criança (1) dor de barrida (1) E não houve tempestade em Tóquio (1) Einstein (1) eletricidade (1) eletrólitos (1) eletromagnetismo (1) Embornal (1) energia (1) entanglement (1) entranhas (1) entropia (1) epistemologia (1) Equador (1) erotismo (1) escovar dentes (1) Esperança (3) Estados Unidos (1) estrutura (1) estudo (1) estudos (1) etnia (1) exercício (1) exercício físico (1) fábula (2) falta de ar (1) Fellini (1) Fernando Pessoa (1) ferroviário (1) Feto (1) filhos (1) Filosofia (5) fim dos tempos. (1) Final (1) Finalidade (1) fingindo (1) fios (1) Física (8) Física Quântica (2) folclore (1) Fritjof Kapra (1) fumo (1) fúria (1) futuro (1) Ganhos (1) gastroenterite (1) genitais (1) genitália (1) gênito urinário (1) geologia (1) Glória (1) gratidão (2) Guarujá (2) guerra (1) Haikai (1) Harlan Coben (1) Hedy Lamarr (1) Heisenberg (1) heterodoxia (2) hidratação (1) hidrogênio (1) hiperespaço (2) História (4) história da física (1) holismo (1) holocausto (1) hpv (1) Humor (1) identidade (1) iluminação (1) imortal (1) imune (1) imunizado (1) Índia (1) infecção (1) infortúnio (1) Insônia (1) inútil (1) Invenção (1) investigação (1) irmão (1) Isaac Newton (1) isolamento (1) ISRS (1) Jasão (1) João Villaret (1) Judaismo (1) Kindle (1) Kobo (1) laranja (1) Leituras e Anotações (9) lembranças (1) lembranças tratamento (1) lenda (1) Letícia Martins (1) links sérios (1) literatura (12) literatura.poesia (1) Livraria Cultura (1) livro (2) lógica (1) Louvor (1) luz (1) maçã (1) mãe (1) Maeve Blinchy (1) mar (1) Mastroianni (1) matemática (2) medicina (2) memória (1) memórias (1) menino (1) mensagem (1) mental (1) mentiras (1) meta (1) Metrô de São Paulo (1) Michio Kaku (4) Miguel Sousa Tavares (1) minhoca (1) Mônica Martins (1) Monolito (1) motor (1) Movimento Pés Descalços (1) mulher (1) murmúrio (1) músculos (1) Música (2) nada (1) Navegação (1) nebulização (1) neurônios (1) Newton (1) Newton da Costa (1) Nick Bolstrom (1) Nick Bostrom (1) Nova York (1) o nada (1) objetivo (4) Odisseia (1) Olimpo (1) Omega 3 (1) ômega 3.6.9 (1) onde estou (1) origem da vida (2) Orlando Villas Boas (1) ortodoxia (1) ouvir estrelas (1) pacientes (1) Paixão (1) paleontologia (1) paliativo (1) panorama (1) papiloma (1) Paris (1) Partículas (1) passado (1) passeio (1) passo (1) Paz (1) pediatria (1) pele (2) Penélope (1) pênis (1) Perdas (1) Perdas e ganhos (2) perseguir (1) petróleo (1) Pitangueiras (2) Pitkanen (2) planeta (1) poema (2) poesia (17) Poesia e poemas (2) Popper (1) posso (1) povos indígenas (1) Pra Quê? (1) praia (1) Principia Mathematica. (1) prisoneiro (1) Provocações e Desafios (5) Purgatório (1) quem é (1) rápido (1) realidade (2) realizar (1) Recife (1) recomendações (1) Rede (1) Reminiscëncias (4) respeito (1) Richard Dawkins (1) Robert Paster (2) Roger Penrose (1) romance (1) Russia (1) sabedoria (1) sabido (1) sadio (1) saída (1) saudade (1) Saudades (1) saúde (6) saúde criança (1) Segunda Guerra Mundial (1) Segurança Aérea (1) semiótica (1) sentido (1) serotonina (1) sexos. (1) sísifo (1) social-democracia (1) sofrimento (1) sol (1) solução (1) sonhador (1) Sonho (4) Stephen Hawking (3) suco de laranja (1) sucos (1) sufoco (1) Sundries (25) superação (1) sussurro (1) susto (1) Tabacaria (1) tabaco (1) taça (1) tecnologia (1) Telêmaco (1) Teoria Antrópica (1) teorias (1) teorias da conspiração (1) terminal (2) TGD (1) The God Delusion (1) Thomas Kuhn (1) trabalhador (1) Trabalhar em casa (1) Trabalho (1) Trabuco (1) tradição (1) trapaças (1) tratamento (5) Trilha (1) Ugo Volli (1) Umberto Eco (1) universal (1) Universidade Barefoot (1) universos (1) urgência (1) UTI (1) útil (1) utopia (1) vacina (1) vagina (1) vaidade (1) vazante (1) Velocino de Ouro (1) Veneno (1) verdades (1) verificado (1) vida (3) vídeo (1) videos (1) vitória (1) Você sabia? (2) vulcões (1) Was the universe made for us? (1) Whisky (1) Zarabatana (1) Zumbi (1)